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Comportamento dos pais influencia bruxismo infantil; Brasil patina em dados oficiais

Pesquisa da UFMG constatou dados preocupantes ao avaliar a prevalência do bruxismo entre 301 crianças mineiras; Brasil ainda não tem um mapeamento nacional específico de bruxismo infantil, diz associação

Estudo constatou dados preocupantes ao avaliar a prevalência do bruxismo entre 301 crianças em Minas

Dor na mandíbula e na face, dores de cabeça e enxaquecas, dor de ouvido, sensibilidade, desgaste, fratura dos dentes e hipertrofia dos músculos da mastigação. Esses são alguns dos sintomas do bruxismo, hábito involuntário que já afetava, até o ano passado, quatro em cada 10 brasileiros, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). Estresse, ansiedade e distúrbios do sono são apontados por especialistas como causas comuns do bruxismo, todos esses problemas que comprometem a qualidade de vida dos pacientes. Mas será que somente os adultos estão sujeitos a receber esse diagnóstico?

Uma pesquisa concluída no Programa de Pós-graduação em Odontologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) constatou dados preocupantes ao avaliar a prevalência do bruxismo entre 301 crianças com idade entre quatro e sete anos, todas moradoras de Divinópolis, na Região Centro-Oeste de Minas Gerais: 31% tinham possível bruxismo do sono (ao dormir) e 16% apresentavam possível bruxismo em vigília (quando a pessoa está acordada).

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Desde 2022, a comunidade acadêmica já sabe que o bruxismo infantil pode afetar uma em cada quatro crianças brasileiras durante o sono, segundo revisão de estudos publicada por pesquisadores da própria UFMG e da Universidade Federal de Goiás (UFG). Porém, a tese mais recente, escrita pela odontopediatra Letícia Fernanda Moreira dos Santos, faz uma nova abordagem ao investigar a relação do bruxismo com o estilo parental adotado pelas famílias dessas crianças. E o resultado ligou um alerta: o comportamento dos pais pode, sim, provocar e agravar o desenvolvimento de bruxismo nos filhos.

“Pais e profissionais de saúde devem compreender que o bruxismo infantil não está restrito às suas consequências dentárias — como o desgaste dos dentes ou o ruído de ranger percebido pelos responsáveis. O comportamento deve ser entendido de forma mais ampla, considerando as características emocionais da criança e o estilo parental adotado em casa. O estudo mostrou que níveis elevados de neuroticismo — um traço de personalidade relacionado à sensibilidade emocional — aumentam a probabilidade e a gravidade do bruxismo do sono, enquanto práticas parentais mais democráticas estiveram associadas a uma menor prevalência de bruxismo moderado/severo entre as crianças avaliadas”, destaca a pesquisadora Letícia Moreira.

Foram levados em conta três estilos de cuidado dentro de casa: o democrático, caracterizado pelo equilíbrio entre controle e afeto, o autoritário, quando o controle sobressai sobre o afeto, e o permissivo, no qual o afeto sobressai sobre o controle. A pesquisa revela que, como o bruxismo costuma ser um mecanismo acionado na tentativa de aliviar pressões emocionais ligadas à ansiedade e ao estresse, as crianças cujos pais são mais democráticos apresentaram menor prevalência do distúrbio.

Essa conclusão indica que rotinas familiares consistentes e uma convivência pautada pelo diálogo e pelo afeto podem proporcionar à criança uma sensação de segurança e previsibilidade, reduzindo o impacto do estresse e das emoções negativas, como explica a odontopediatra. ”O estudo reforça a importância de compreender os estilos parentais de forma contextual, reconhecendo que a combinação de afeto, limites e estabilidade emocional pode favorecer o desenvolvimento emocional saudável e, possivelmente, a prevenção de comportamentos como o bruxismo”, conclui.

Segundo a professora do Departamento de Saúde Bucal da Criança e do Adolescente da Faculdade de Odontologia da UFMG e orientadora da pesquisa, Júnia Maria Cheib Serra-Negra, atitudes permissivas como falta de limites, rotinas e regras levam a criança a se sentir mais insegura, aumentando a sua ansiedade e, consequentemente, a chance do desenvolvimento de bruxismo. “Pais que determinam regras e rotinas, deixando claro para as crianças por que eles estão adotando aquelas atitudes, tendem a nortear, a ‘dar chão’ às crianças, e elas acabam se sentindo mais seguras e tendem a diminuir a ansiedade”.

O resultado da pesquisa converge com o que relata a psicóloga Jamile Feijão, especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental aplicada à infância e adolescência. “Os pais devem observar como reagem aos comportamentos dos filhos: se predominam respostas impulsivas, controladoras, ou se há espaço para diálogo, validação e limites consistentes. É esse equilíbrio que ensina a criança a autorregulação emocional, um fator protetor contra manifestações físicas de estresse como o bruxismo na infância”, afirma.

Ainda segundo a psicóloga, na perspectiva da Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), o bruxismo não é compreendido como um ato simbólico, mas como uma resposta fisiológica ao acúmulo de tensão emocional. “Durante o desenvolvimento, muitas crianças ainda não possuem recursos e elaboração cognitivos e emocionais para identificar e expressar o que sentem. Quando emoções como raiva, medo, ou tristeza não são reconhecidas ou validadas, o corpo pode reagir por meio de descargas musculares automáticas, como o ranger ou apertar dos dentes”, explica Jamile Feijão.

Diante desse cenário, a professora Júnia Serra-Negra aponta caminhos que poderiam ser tomados pelo poder público (municipal, estadual e federal) para proteger as crianças. “Campanhas educativas e de conscientização para as famílias. Disseminar informações para pais, responsáveis e comunidade sobre a importância do cuidado emocional, sinais de ansiedade e práticas que ajudem a aliviar tensões, incluindo técnicas de relaxing, diminuir o uso de telas, adotar rotinas de sono, atividades físicas e momentos de lazer. Importante, também, integrar ações de diferentes áreas – saúde, educação, assistência social – para criar uma rede de proteção e suporte às crianças”.

Tratamento pelo SUS

O Sistema Único de Saúde (SUS) oferece tratamento do bruxismo por meio de atendimento odontológico nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) e nos Centros de Especialidades Odontológicas (CEO). Caso o cidadão seja diagnosticado com o distúrbio, ele poderá solicitar a confecção de uma placa oclusal (também conhecida como placa de bruxismo ou placa miorrelaxante). Essas placas são feitas sob medida, geralmente de acrílico, e usadas principalmente durante o sono. Elas funcionam como uma barreira física, impedindo o contato direto entre os dentes superiores e inferiores, protegendo-os do desgaste e reduzindo a tensão muscular.

Porém, de acordo com o presidente da Associação Brasileira de Odontologia (ABO), Celso Minervino Russo, cada região do país tem sua autonomia dentro do programa “Brasil Sorridente” para abordagem do bruxismo na especialidade de odontopediatria. Além disso, no Brasil não há, até o momento, um mapeamento nacional específico de bruxismo infantil. Segundo Celso Minervino, o bruxismo não faz parte de nenhum índice voltado para saúde bucal infantil no país. “É importante a capacitação continuada de odontopediatras e equipes de Atenção Primária à Saúde (APS) em triagem, aconselhamento familiar (desde a gestação, amamentação, mastigação, sono, telas, rotinas) e manejo de hábitos parafuncionais, com materiais padronizados pela rede (cartilhas e fluxos)”, explica.

Por isso, a Associação Brasileira de Odontologia defende incorporar o tema ao Programa Saúde na Escola (PSE), integrar odontologia e saúde mental ao Centro de Atenção Psicossocial Infanto-Juvenil (CAPSij) e instituir um monitoramento sentinela, preparando a inclusão do bruxismo em futuros inquéritos nacionais de saúde bucal. “Campanhas baseadas nisso ajudam pais e cuidadores a reconhecer sinais precoces (ruído noturno, desgastes, dor/cefaleia matinal), promovem higiene do sono e redução de estresse infantil, fortalecem o encaminhamento multiprofissional quando necessário e alinham a odontologia com metas de saúde mental e escolar”, alerta.

Mas se não há um mapeamento nacional específico de bruxismo infantil, como o problema pode ser combatido?

Ministério da Saúde

Ministério da Saúde disse que ‘promove qualificação de profissionais do SUS por meio de publicações técnicas, webinários e ações de apoio à educação permanente’

De acordo com dados do Ministério da Saúde, o Sistema de Informações Ambulatoriais (SIA) registrou, na faixa etária de quatro a 12 anos, 236 procedimentos relacionados ao bruxismo em 2022; 306 em 2023; 476 em 2024; e, até agosto de 2025, foram registrados 386 procedimentos em todo o Brasil. Os números referem-se a atendimentos e não a pessoas ou diagnósticos. Ou seja, um indivíduo pode ter sido atendido mais de uma vez.

Questionado sobre a falta de números oficiais a respeito do bruxismo infantil no país, a pasta informou à reportagem que “está finalizando a diretriz clínica para Atenção Primária à Saúde (APS), que abordará disfunção temporomandibular e bruxismo, com previsão de lançamento em 2026. A Caderneta de Saúde da Criança é outro instrumento periodicamente revisado, que já contempla orientações sobre os principais agravos à saúde bucal da população infantil, que ajudam na identificação precoce e encaminhamento adequado de casos de bruxismo”.

O Ministério da Saúde também disse que “promove qualificação de profissionais do SUS por meio de publicações técnicas, webinários e ações de apoio à educação permanente. Além disso, gestores estaduais e municipais desenvolvem capacitações e outras ações, conforme a demanda local”.

O que é bruxismo?

O bruxismo é caracterizado pelo movimento repetitivo e involuntário de apertar, ranger ou deslizar os dentes, sem que haja uma função mastigatória. Pode ser classificado em:

Bruxismo do sono: ocorre durante o sono, sendo muitas vezes inconsciente. É mais comum e pode ser associado a distúrbios do sono, como apneia.

Bruxismo de vigília: ocorre quando a pessoa está acordada, geralmente em momentos de concentração, estresse ou ansiedade.

Formado em Jornalismo pelo Centro Universitário de Belo Horizonte (UniBH), é chefe de reportagem na Itatiaia. Trabalhou durante 10 anos no jornal Estado de Minas, onde foi estagiário, repórter, capista, subeditor e editor-assistente do em.com.br e do portal UAI. Também colaborou com matérias para o portal UOL e foi assessor de imprensa no Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM).