Dor na mandíbula e na face, dores de cabeça e enxaquecas, dor de ouvido, sensibilidade, desgaste, fratura dos dentes e hipertrofia dos músculos da mastigação. Esses são alguns dos sintomas do bruxismo, hábito involuntário que já afetava, até o ano passado, quatro em cada 10 brasileiros,
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Desde 2022, a comunidade acadêmica já sabe que o bruxismo infantil pode afetar uma em cada quatro crianças brasileiras durante o sono, segundo revisão de estudos publicada por pesquisadores da própria UFMG e da Universidade Federal de Goiás (UFG). Porém, a tese mais recente, escrita pela odontopediatra Letícia Fernanda Moreira dos Santos, faz uma nova abordagem ao investigar a relação do bruxismo com o estilo parental adotado pelas famílias dessas crianças. E o resultado ligou um alerta: o comportamento dos pais pode, sim, provocar e agravar o
“Pais e profissionais de saúde devem compreender que o bruxismo infantil não está restrito às suas consequências dentárias — como o desgaste dos dentes ou o ruído de ranger percebido pelos responsáveis. O comportamento deve ser entendido de forma mais ampla, considerando as características emocionais da criança e o estilo parental adotado em casa. O estudo mostrou que níveis elevados de neuroticismo — um traço de personalidade relacionado à sensibilidade emocional — aumentam a probabilidade e a gravidade do bruxismo do sono, enquanto práticas parentais mais democráticas estiveram associadas a uma menor prevalência de bruxismo moderado/severo entre as crianças avaliadas”, destaca a pesquisadora Letícia Moreira.
Foram levados em conta três estilos de cuidado dentro de casa: o democrático, caracterizado pelo equilíbrio entre controle e afeto, o autoritário, quando o controle sobressai sobre o afeto, e o permissivo, no qual o afeto sobressai sobre o controle. A pesquisa revela que, como o bruxismo costuma ser um mecanismo acionado na tentativa de aliviar pressões emocionais ligadas à ansiedade e ao estresse, as crianças cujos pais são mais democráticos apresentaram menor prevalência do distúrbio.
Essa conclusão indica que rotinas familiares consistentes e uma convivência pautada pelo diálogo e pelo afeto podem proporcionar à criança uma sensação de segurança e previsibilidade, reduzindo o impacto do estresse e das emoções negativas, como explica a odontopediatra. ”O estudo reforça a importância de compreender os estilos parentais de forma contextual, reconhecendo que a combinação de afeto, limites e estabilidade emocional pode favorecer o desenvolvimento emocional saudável e, possivelmente, a prevenção de comportamentos como o bruxismo”, conclui.
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Segundo a professora do Departamento de Saúde Bucal da Criança e do Adolescente da Faculdade de Odontologia da UFMG e orientadora da pesquisa, Júnia Maria Cheib Serra-Negra, atitudes permissivas como falta de limites, rotinas e regras levam a criança a se sentir mais insegura, aumentando a sua ansiedade e, consequentemente, a chance do desenvolvimento de bruxismo. “Pais que determinam regras e rotinas, deixando claro para as crianças por que eles estão adotando aquelas atitudes, tendem a nortear, a ‘dar chão’ às crianças, e elas acabam se sentindo mais seguras e tendem a diminuir a ansiedade”.
O resultado da pesquisa converge com o que relata a psicóloga Jamile Feijão, especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental aplicada à infância e adolescência. “Os pais devem observar como reagem aos comportamentos dos filhos: se predominam respostas impulsivas, controladoras, ou se há espaço para diálogo, validação e limites consistentes. É esse equilíbrio que ensina a criança a autorregulação emocional, um fator protetor contra manifestações físicas de estresse como o bruxismo na infância”, afirma.
Ainda segundo a psicóloga, na perspectiva da Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), o bruxismo não é compreendido como um ato simbólico, mas como uma resposta fisiológica ao acúmulo de tensão emocional. “Durante o desenvolvimento, muitas crianças ainda não possuem recursos e elaboração cognitivos e emocionais para identificar e expressar o que sentem. Quando emoções como raiva, medo, ou tristeza não são reconhecidas ou validadas, o corpo pode reagir por meio de descargas musculares automáticas, como o ranger ou apertar dos dentes”, explica Jamile Feijão.
Diante desse cenário, a professora Júnia Serra-Negra aponta caminhos que poderiam ser tomados pelo poder público (municipal, estadual e federal) para proteger as crianças. “Campanhas educativas e de conscientização para as famílias. Disseminar informações para pais, responsáveis e comunidade sobre a importância do cuidado emocional, sinais de ansiedade e práticas que ajudem a aliviar tensões, incluindo técnicas de relaxing, diminuir o uso de telas, adotar rotinas de sono, atividades físicas e momentos de lazer. Importante, também, integrar ações de diferentes áreas – saúde, educação, assistência social – para criar uma rede de proteção e suporte às crianças”.
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Tratamento pelo SUS
O Sistema Único de Saúde (SUS)
Porém, de acordo com o presidente da Associação Brasileira de Odontologia (ABO), Celso Minervino Russo, cada região do país tem sua autonomia dentro do
Por isso, a Associação Brasileira de Odontologia defende incorporar o tema ao Programa Saúde na Escola (PSE), integrar odontologia e saúde mental ao Centro de Atenção Psicossocial Infanto-Juvenil (CAPSij) e instituir um monitoramento sentinela, preparando a inclusão do bruxismo em futuros inquéritos nacionais de saúde bucal. “Campanhas baseadas nisso ajudam pais e cuidadores a reconhecer sinais precoces (ruído noturno, desgastes, dor/cefaleia matinal), promovem higiene do sono e redução de estresse infantil, fortalecem o encaminhamento multiprofissional quando necessário e alinham a odontologia com metas de saúde mental e escolar”, alerta.
Mas se não há um mapeamento nacional específico de bruxismo infantil, como o problema pode ser combatido?
Ministério da Saúde
Ministério da Saúde disse que ‘promove qualificação de profissionais do SUS por meio de publicações técnicas, webinários e ações de apoio à educação permanente’
De acordo com dados do Ministério da Saúde, o Sistema de Informações Ambulatoriais (SIA) registrou, na faixa etária de quatro a 12 anos, 236 procedimentos relacionados ao bruxismo em 2022; 306 em 2023; 476 em 2024; e, até agosto de 2025, foram registrados 386 procedimentos em todo o Brasil. Os números referem-se a atendimentos e não a pessoas ou diagnósticos. Ou seja, um indivíduo pode ter sido atendido mais de uma vez.
Questionado sobre a falta de números oficiais a respeito do bruxismo infantil no país, a pasta informou à reportagem que “está finalizando a diretriz clínica para Atenção Primária à Saúde (APS), que abordará disfunção temporomandibular e bruxismo, com previsão de lançamento em 2026. A Caderneta de Saúde da Criança é outro instrumento periodicamente revisado, que já contempla orientações sobre os principais agravos à saúde bucal da população infantil, que ajudam na identificação precoce e encaminhamento adequado de casos de bruxismo”.
O Ministério da Saúde também disse que “promove qualificação de profissionais do SUS por meio de publicações técnicas, webinários e ações de apoio à educação permanente. Além disso, gestores estaduais e municipais desenvolvem capacitações e outras ações, conforme a demanda local”.
O que é bruxismo?
O bruxismo é caracterizado pelo movimento repetitivo e involuntário de apertar, ranger ou deslizar os dentes, sem que haja uma função mastigatória. Pode ser classificado em:
Bruxismo do sono: ocorre durante o sono, sendo muitas vezes inconsciente. É mais comum e pode ser associado a distúrbios do sono, como apneia.
Bruxismo de vigília: ocorre quando a pessoa está acordada, geralmente em momentos de concentração, estresse ou ansiedade.