Ouvindo...

Alzheimer: medicamento ‘inovador’ aprovado em agosto pode retardar avanço da doença

O Donanemabe, comercializado com o nome Kinsula, foi aprovado recentemente pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED)

Alzheimer

Após passar por aprovação da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED), o medicamento Donanemabe pode ser aplicado em pacientes brasileiros que tenham a doença de Alzheimer. A aplicação, porém, está disponível apenas na rede particular.

O Donanemabe, comercializado com o nome Kinsula, segundo a geriatra Simone de Paula Pessoa Lima, foi desenvolvido para tratar casos específicos da doença de Alzheimer em estágio inicial. Ele é uma terapia modificadora da doença, não apenas aliviando os sintomas, mas também interferindo em um dos mecanismos patológicos da neurodegeneração.

“A Doença de Alzheimer pode ter duas causas principais no cérebro: acúmulo da proteína beta-amiloide (formando placas) e acúmulo da proteína tau (formando emaranhados dentro dos neurônios). O Donanemabe age apenas em pessoas que têm o Alzheimer relacionado ao acúmulo de beta-amiloide. Ele atua na remoção dessas placas do cérebro. Ao se ligar a uma forma específica dessa proteína o medicamento estimula o próprio sistema imune a eliminá-las, contribuindo para desacelerar a progressão do Alzheimer”, explicou a médica.

O medicamento se liga às placas de beta-amiloide e promove a remoção delas. Vale lembrar que essas placas são associadas à lesão neuronal, perda da comunicação entre neurônios, e, consequentemente, comprometimento cognitivo. Ele contribui para reduzir o ritmo de progressão da doença.

“Estudos clínicos demonstraram que, em pacientes nos estágios iniciais do Alzheimer, o uso de Donanemabe resultou em uma desaceleração de aproximadamente 35% no declínio cognitivo e funcional ao longo de 76 semanas. Em alguns subgrupos, essa desaceleração chegou a 60%, especialmente nos que iniciaram o tratamento mais precocemente. O benefício persiste mesmo após a interrupção do uso, sugerindo um efeito prolongado”, destacou a geriatra.

O Donanemabe é administrado por via intravenosa, com infusões mensais por até um ano e seis meses. "É necessário que aconteça um acompanhamento por exames de imagem indicando a eliminação das placas de amiloide. Esses exames também são necessários para o monitoramento dos efeitos adversos importantes, como edema cerebral ou micro-hemorragias - conhecidos como ARIA (Amyloid-Related Imaging Abnormalities). A infusão deve ocorrer em ambiente hospitalar ou ambulatorial com infraestrutura adequada para manejo de eventuais reações adversas”, explicou.

Medicamento inovador

Para o neurologista Ricardo Dornas, especialista em Neurologia Cognitiva pelo Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais, o grande diferencial do Donanemabe é a forma de agir, classificada por ele como ‘inovadora’.

“Ao contrário dos medicamentos que tínhamos antes, que apenas ajudavam a controlar os sintomas, o Donanemabe é uma terapia que atua na causa da doença”, afirmou.

“O Donanemabe é como um “faxineiro” especializado: ele é um tipo de anticorpo que se liga especificamente às placas de beta-amiloide e ajuda o corpo a removê-las do cérebro”, explicou.

“Outro ponto importante é que, com o Donanemabe, o tratamento pode ser interrompido quando as placas amiloides são removidas em quantidade suficiente, o que é confirmado por exames específicos. Isso pode acontecer após 6, 12 ou 18 meses de tratamento, o que é uma vantagem, pois não é um tratamento para a vida toda, como outros”, disse.

Leia também

Riscos e contraindicações

Como todo medicamento, o Donanemabe também tem riscos e benefícios e exige um acompanhamento médico rigoroso.

Segundo o neurologista, o efeito colateral que mais merece atenção é o que se chama de Anormalidades de Imagem Relacionadas ao Amiloide (ARIA). Elas podem se manifestar de duas formas:

  • ARIA-E (Edema): É como um inchaço no cérebro. Na maioria das vezes, a pessoa não sente nada, ou seja, é assintomática. Mas, em alguns casos, podem surgir sintomas como cansaço, dor de cabeça, confusão, tontura, quedas, problemas de visão ou náuseas. Em situações mais raras, pode levar a convulsões ou sinais neurológicos mais sérios.
  • ARIA-H (Hemorragia): São pequenos sangramentos (micro-hemorragias) ou depósitos de ferro no cérebro. Geralmente, acontecem junto com o inchaço (ARIA-E), mas podem aparecer sozinhos. Embora a maioria seja pequena e não cause sintomas, em casos muito raros, podem evoluir para sangramentos cerebrais maiores, que são graves e podem ser fatais.

“O risco de ter ARIA é maior em pessoas que possuem uma característica genética específica, chamada APOE ε4, especialmente se tiverem duas cópias desse gene. Pessoas que usam medicamentos para ‘afinar’ o sangue (anticoagulantes) também têm um risco maior de sangramentos”, explicou o médico.

Além das ARIA, podem ocorrer reações leves a moderadas, como: febre, calafrios, erupções na pele, náuseas, vômitos, falta de ar, suores, alterações na pressão arterial, dor de cabeça e dor no peito ou abdômen.

Contraindicações importantes:

  • Pessoas com duas cópias do gene APOE ε4, devido ao risco muito elevado de efeitos colaterais.
  • Quem já tem problemas cerebrais que aumentam o risco de sangramentos, como mais de quatro micro-hemorragias, sangramentos maiores anteriores, malformações vasculares ou alterações importantes na substância branca do cérebro.
  • Pessoas com problemas de coagulação no sangue ou que usam medicamentos anticoagulantes, pois isso aumenta o risco de hemorragias.
  • Pacientes em estágios mais avançados da Doença de Alzheimer (demência moderada a grave), pois a eficácia e segurança do medicamento foram estudadas apenas em fases iniciais.
  • Mulheres grávidas ou amamentando.
  • Pessoas que não conseguem fazer os exames de ressonância magnética regularmente, que são essenciais para a segurança do tratamento.
  • Pacientes com doenças graves não controladas ou com histórico recente de convulsões.

É fundamental que o tratamento seja feito em centros especializados, com uma equipe médica experiente e acesso a exames de ressonância magnética regulares para monitorar essas possíveis complicações.

Preço alto

De acordo com o neurologista, nos Estados Unidos, o custo estimado do tratamento é em torno de 32 mil dólares por ano. Já no Brasil, o donanemabe pode custar entre cinco e oito mil reais por dose, podendo ultrapassar os 30 mil reais mensais no total somando a medicação, as infusões e os exames de acompanhamento.

Justamente pelo preço alto, o número de pacientes que têm acesso ao medicamento é limitado. Porém, mesmo assim, os relatos são ‘encorajadores’, destacou Dornas. “Há uma percepção de melhora clínica, ou pelo menos de um retardo na progressão da doença, que tem sido notada tanto pelos próprios pacientes quanto por seus familiares e cuidadores. Eles relatam uma manutenção da autonomia por mais tempo e uma qualidade de vida melhorada”, disse.

"É importante lembrar que cada caso é único. Sintomas neurológicos sempre devem ser avaliados por um neurologista, que poderá realizar o diagnóstico adequado e indicar o melhor tratamento”, finalizou.

Jornalista formada pela PUC Minas. Mineira, apaixonada por esportes, música e entretenimento. Antes da Itatiaia, passou pelo portal R7, da Record.