Famílias de crianças autistas -Transtorno do Espectro Autista (TEA)- denunciam restrições no tratamento em razão da mudança de clínicas onde os menores eram atendidos há anos. A Itatiaia foi procurada por mães atendidas pela Casu-UFMG (operadora de plano de saúde fundada em 1993 por servidores da Universidade Federal de Minas Gerais — UFMG) que tiveram que interromper o tratamento feito há anos pelos filhos e recomeçar em outras clínicas, muitas vezes distantes de casa e com outros profissionais, o que impactou na evolução das crianças.
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Susana Johann, 47 anos, professora no Departamento de Microbiologia da UFMG, é uma das mães. Ela, que mora na Região da Pampulha, em Belo Horizonte, contou à reportagem que o filho, de 7 anos, é autista nível 3 e sempre foi tratado em uma clínica no bairro Castelo, com o tratamento custeado pela Casu-UFMG. No entanto, em março deste ano, o custeio deixou de ser feito e a Casu-UFMG credenciou uma clínica no bairro Santa Efigênia, na Região Leste da capital, como opção. Para manter o tratamento na clínica, ela está gastando mais de R$ 5 mil por mês.
“Eles alegam que agora têm clínica credenciada e que não precisam mais pagar em clínicas que não são credenciadas. Só que isso repercute de várias formas para o meu filho. Uma é que o tempo que ele tem para fazer terapia ele vai gastar em trânsito, que vai demorar quase 3 horas para ir, voltar, achar estacionamento nesses horários, porque temos de manhã cedo e voltamos perto da hora do almoço. E é o tempo que ele tem das terapias, pois precisa fazer de 3 a 4 horas por dia. Ele só tem as manhãs para fazer terapia. E, se ele gastar esse tempo em trânsito, não consegue fazer”, explicou a mãe.
Além do trânsito, Susana apontou que os profissionais da clínica credenciada não têm a certificação que o filho precisa. “Além de ele ser TEA nível 3 de suporte, ele tem apraxia da fala, distúrbios do sono e outras comorbidades associadas que precisam de técnicas mais especializadas, principalmente para apraxia. E também ele tem distúrbio sensorial, que exige uma especialização bem específica. Está tudo em relatório médico.”
Professora no Departamento de Microbiologia da UFMG gasta mais de R$ 5 mil por mês para manter tratamento do filho
A situação enfrentada por Susana é compartilhada também pela Bibliotecária da UFMG, Carla Cristina Vieira de Oliveira, 48 anos, mãe de um adolescente de 13 anos anos. Ela contou à Itatiaia que o filho fazia tratamento com psicólogo em casa, com o terapeuta ocupacional perto da UFMG e com fonoaudiólogo perto de casa há cerca de cinco anos, quando foi surpreendida com as alterações no plano.
“Em fevereiro deste ano fomos comunicados que a Casu tinha criado uma clínica – no bairro Santo Efigênia – e que deveríamos ir pra lá pois os pagamentos dos especialistas foram suspensos”, relatou a mãe. Ainda de acordo com ela, o filho não se adaptou ao novo local de tratamento.
Carla explicou que o filho já vinha com a intenção de interromper as intervenções desde 2024. “Ele percebeu que só ele tinha que ir para terapias, enquanto o irmão e os amigos ficavam em casa, foi muito difícil fazer ele entender que ainda não poderia ter alta. Fizemos um trabalho intenso para ele aceitar continuar as terapias e daí vem a Casu e obriga a mudar. Meu filho não aceitou ir na clínica, mas eu fui e não gostei do que vi”, contou.
De acordo com Carla, a nova clínica tinha terapeutas “muito inexperientes” e um cenário “muito infantil”.
Diante da situação, a bibliotecária viu como única alternativa pagar o tratamento do filho de forma particular, o que vem gerando prejuízo. “Estou com dívidas por conta disso, pois fui pega de surpresa, e não tinha reserva de emergência para isso. (...) Prefiro mesmo com dificuldade manter uma intervenção que vejo resultado, não quero colocar o meu filho em risco de crise ou regressão por fazer algo obrigado”, confessou.
‘Rotina desgastante’
Para Carol Pugliese, de 46 anos, mãe de um menino de 5 anos, a situação foi um pouco diferente. Moradora do bairro Castelo, na Região da Pampulha, ela relatou à Itatiaia que se deslocava até o bairro Santa Tereza, na Região Leste de Belo Horizonte, para o realizar o tratamento do filho há cerca de três anos, em um percurso que poderia durar até 3 horas.
“Eu fui percebendo que estava sendo uma rotina muito desgastante para o meu filho, para a gente também. Mas a gente se submete a isso pelos filhos, mas para ele começou a causar prejuízos, tanto na escola, como na terapia, porque aí ele ficava tão cansado e tão estressado que ele não estava rendendo mais nem na escola e nem nas terapias”, relatou Carol.
De acordo com a mãe, o convênio ofereceu a opção de trocar para a clínica no bairro Santa Efigênia. “Mas Santa Efigênia é tão longe quanto Santa Tereza. Então, assim, para mim não resolve o problema”, contou Carol, que rompeu com a Casu no dia 24 de outubro e tenta conseguir custear outra forma de tratamento para o filho.
“Você vê que os planos de saúde não estão concordando com o que está acontecendo com autismo na atualidade. Tá todo mundo aí indo atrás dos direitos, os direitos estão aí, né, mas os planos de saúde também não estão flexíveis”, disse.
O que diz a Casu?
Procurado pela reportagem, Marcos Roberto Moreira, diretor-presidente da Casu-UFMG, destacou que são atendidas atualmente 89 crianças com autismo e que a mudança tem relação com uma regulação de 2022 da Agência Nacional de Saúde (ANS), que determinou que o rol de procedimentos a serem atendidos pelos planos de saúde acolhesse autistas.
“Até aquele momento, a Casu não tinha uma rede própria. Então, cerca de cinco crianças, através dos seus progenitores, entraram na Justiça para obrigar a Casu, como também ocorreu em outros planos, a se ver obrigada a atendê-los. E assim foi feito. Mas esse atendimento era feito através de carta de crédito, em que se alocavam recursos na conta dos pais, e eles faziam o pagamento à clínica que atendia essas crianças”, explicou.
Moreira destacou que, a partir de 2022, a Casu e outras operadoras mineiras começaram a estudar a abertura e a possibilidade de criação de uma clínica unificada. “A partir do ano retrasado (2023), criamos o núcleo que está disponível hoje, que é um centro de autismo, localizado no bairro Santa Efigênia. É um núcleo altamente qualificado, com todas as habilitações exigidas para o atendimento do autismo”, garantiu Moreira, acrescentando que não tem como avaliar casos específicos apresentados pela reportagem porque estão na Justiça.
“Então, dessas 89 crianças, temos apenas cinco que permanecem fora do nosso sistema de atendimento, de acolhimento e de prestadores credenciados”, apontou o diretor, acrescentando que 24 crianças fazem tratamento na clínica do bairro Santa Efigênia e as demais são acompanhadas em outros locais especializados de diferentes regiões da capital.