PL Antifacção avança no Senado e deve votado em comissão nesta quarta-feira

Projeto percorreu três versões e texto final de Alessandro Vieira consolida medidas de repressão e instrumentos de investigação

Senador Alessandro Vieira (MDB-SE)

O Senado deve votar nesta quarta-feira (10), o PL 5.582/2025, chamado de “PL Antifacções”, um marco legal para combater facções criminosas e milícias privadas no país. O projeto passou por três etapas distintas: a proposta original do Executivo, o relatório radical de Guilherme Derrite na Câmara e o substitutivo calibrado de Alessandro Vieira no Senado. Cada versão alterou de forma significativa o alcance das medidas, penas e instrumentos de investigação.

1. Projeto original do governo: ajustes cirúrgicos sem criar nova lei

O texto enviado pelo Executivo, chamado inicialmente de “PL Antifação”, não criou um diploma independente. Em vez disso, alterou normas já existentes, como a Lei de Organizações Criminosas (12.850/2013), Código Penal, Código de Processo Penal, Lei de Crimes Hediondos e Lei de Execução Penal.

O foco era prático:

  • Intervenção judicial em empresas usadas por facções ou milícias.
  • Infiltração de agentes e ações controladas.
  • Acesso facilitado a dados cadastrais.
  • Reforma das medidas assecuratórias, incluindo alienação antecipada de bens para bloquear fortunas ilícitas.
  • Endurecimento de penas para líderes em presídios federais.
  • Aceleração de audiências de custódia por videoconferência em 24 horas.

2. Relatório Derrite na Câmara: maximalismo penal e arsenal patrimonial

O deputado Guilherme Derrite (PL-SP) abandonou o modelo “espalhado” do governo e criou o “Marco Legal do Combate ao Crime Organizado”, uma lei independente com 32 artigos. O relatório introduziu novos crimes e agravantes:

  • “Domínio social estruturado”: 20 a 40 anos de reclusão, crime hediondo.
  • “Favorecimento ao domínio social”: 12 a 20 anos, hediondo, abrangendo controle territorial, bloqueios de vias, ataques à infraestrutura e recrutamento de menores.
  • Penas multiplicadas para homicídios, roubo, lesão corporal, tráfico e armas.
  • Criação de banco nacional de dados de “organizações ultraviolentas” para condicionamento de repasses federais.
  • Medidas patrimoniais amplas, incluindo bloqueio de PIX, criptografia, intervenção em empresas com interventor remunerado e confisco pós-condenação.
  • Veto a auxílio-reclusão e voto de presos, monitoramento de visitas em presídios e aceleração de inquéritos (30-90 dias).

3. Substitutivo Alessandro Vieira no Senado: equilíbrio e viabilidade constitucional

O relator Alessandro Vieira (MDB-SE) conciliou o texto do governo e o relatório da Câmara, incorporando 40 emendas de diferentes parlamentares. A versão final:

  • Mantém a definição de “facção criminosa” e “milícia privada” na Lei 12.850.
  • Penas base de 15 a 30 anos, com líderes obrigatoriamente em presídios federais.
  • Recupera medidas assecuratórias do governo, expandindo bloqueios de PIX/criptografia, intervenção em pessoas jurídicas com auditorias e aplicação de ação civil de perdimento sem confisco penal.
  • Mantém agravantes da Câmara, mas restaura o júri com proteções como sigilo, videoconferência e desaforamento para capitais.
  • Rejeita veto a voto de presos e auxílio-reclusão, considerando cláusulas constitucionais.
  • Substitui o banco de Derrite por FICCOs, integrando PF, Coaf e Abin.
  • Introduz spywares judiciais, monitoramento de aplicativos e Cide-Bets, fundo de até R$ 30 bilhões por ano para segurança pública.
  • Determina reestruturação de fundos em 180 dias.
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Comparativo das principais mudanças

    O novo parecer reorganiza completamente o pacote de combate ao crime organizado. Em vez de criar uma legislação paralela, como fez o deputado Derrite, ou de apostar em ajustes pontuais, como propôs o governo, Alessandro Vieira volta a usar a Lei 12.850 e encaixa as mudanças dentro dela.

    A definição dos crimes também muda de abordagem. Enquanto a proposta do governo reforçava a ideia de “organizações qualificadas” e Derrite criou figuras como “domínio” e “favorecimento”, Alessandro Vieira foca em duas categorias claras: facções e milícias, com o favorecimento mais restrito para evitar distorções.

    Quando o assunto é patrimônio, cada um seguiu um caminho. O governo queria modernizar o Código de Processo Penal; Derrite trouxe uma lista detalhada de bloqueios e o senador preferiu organizar o sistema: cria regras de urgência, exige um gestor idôneo e determina que os bens recuperados tenham destino certo em fundos públicos. Nas penas, o contraste é grande. O governo endurece o tratamento para líderes; Derrite aumenta tudo em bloco e Vieira tenta manter proporção, calibrando pena de acordo com papel e gravidade.

    No debate sobre o Tribunal do Júri também houve divergência. O governo cogitou tirar certos crimes dessa esfera, Derrite queria afastar homicídios cometidos por facções, e Vieira recua para o que diz a Constituição: mantém o júri, mas com proteções reforçadas para juízes, jurados e testemunhas.

    O eixo de inteligência ganha peso. O governo trabalha com infiltração; Derrite quer criar um banco nacional e Vieira aposta em fortalecer as FICCOs, permitir o uso de spywares sob controle judicial e monitorar aplicativos usados por organizações criminosas.

    Derrite foi o único a mexer em direitos sociais, restringindo auxílio e voto, enquanto Vieira manteve o entendimento constitucional e o governo simplesmente ignorou o tema.

    No capítulo de armas e drogas, Derrite dobra penas, enquanto Vieira mira no arsenal pesado: amplia punições para quem usa armas automáticas, fuzis, acessórios de transformação e até plantas 3D de fabricação de armamento.

    A parte financeira é onde as propostas mais se distanciam. O governo queria vincular bens confiscados a fundos; Derrite sugeriu dividir valores e Vieira cria uma Cide sobre apostas esportivas (“Cide-Bets”), com potencial bilionário, além de fundos focados em reestruturação e investimento em forças de segurança.

    Para fechar, vêm as provas. O governo queria facilitar o acesso a dados; Derrite priorizou forças-tarefa e Vieira atualiza o repertório investigativo com identidades fictícias, ação controlada em casos de lavagem e uso ampliado dos Relatórios de Inteligência Financeira do Coaf.

    Aline Pessanha é jornalista, com Pós-graduação em Marketing e Comunicação Integrada pela FACHA - RJ. Possui passagem pelo Grupo Bandeirantes de Comunicação, como repórter de TV e de rádio, além de ter sido repórter na Inter TV, afiliada da Rede Globo.

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