Ouvindo...

Ocupação do antigo DOPS em BH passa de seis meses e resgata memórias da ditadura

Movimentos sociais seguem no prédio histórico da avenida Afonso Pena cobrando a criação do Memorial dos Direitos Humanos; ex-PM torturado no regime militar está entre os ocupantes

Manifestantes ocupam, desde 1º de abril, a antiga sede do Dops na região centro-sul de BH

A ocupação do antigo prédio do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), na avenida Afonso Pena, número 2.351, na região centro-sul de Belo Horizonte, já passa de seis meses e não tem previsão de terminar. Desde o dia 1º de abril, integrantes do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB) e da Unidade Popular (UP) mantêm o edifício tomado como forma de pressionar o governo de Minas pela criação da Casa da Liberdade — Memorial dos Direitos Humanos, planejado para funcionar no local, onde operou um dos principais centros de repressão da ditadura militar na capital mineira.

O imóvel, tombado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha-MG), segue como palco de disputa judicial. Após pedidos de reintegração de posse, uma decisão liminar do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) determinou, em maio, a suspensão da desocupação e a realização de uma audiência de conciliação entre representantes do governo e dos movimentos sociais.

Entre os que resistem no prédio está Paulo Geraldo Ferreira, o Cabo Ferreira, que se apresenta como ex-policial militar, ex-preso político e que atua como uma das lideranças da ocupação. Ele afirma ter sido integrante de um grupo de resistência à ditadura formado por cabos e soldados dentro da Polícia Militar de Minas Gerais, o chamado Esquadrão Serpente Negra.

“Desde 1976, quando eu separei um grupo, escolhi um grupo de cabos e soldados do 1º Batalhão, espalhado por toda a Minas Gerais, para a gente fazer uma resistência contra a ditadura”, conta. “No nosso grupo não entravam os sargentos. Cabo e soldado tinham pouco a perder, e também tinham um entendimento político. A nossa luta era contra a ditadura”, afirma.

Ferreira afirma ter sido preso no mesmo prédio onde hoje milita. “Desde o dia 1º de abril, quando fizemos aqui a ocupação, eu venho fazendo uma resistência aqui. Foram meses diretos, resistindo contra a terceira companhia do primeiro batalhão, a companhia do foro, que fazia feriados e fim de semana”, relata.

Ele diz que a Polícia Militar tentou forçar a retirada dos manifestantes. “A polícia militar não veio aqui para organizar nada, ela veio aqui para reprimir. A intenção deles era tirar o grupamento aqui à força”, afirma.

Segundo Ferreira, a ocupação teve também o papel de preservar o prédio e os bens públicos esquecidos. “O governo do estado deixou o prédio abandonado. Encontramos até viaturas do estado que ninguém sabia onde estavam. Fizemos o inventário de tudo”, diz.

O governo de Minas, por sua vez, sustenta que a presença dos manifestantes impede o avanço das obras e da regularização do local para a instalação do memorial.

Leia também

Espaço de memória e dor

Ao caminhar pelos corredores do antigo DOPS, Ferreira se recorda dos tempos em que esteve preso ali, e da violência contra colegas e familiares. Ele cita perdas que marcaram sua trajetória.

“Dois irmãos meus foram assassinados no processo. A mãe da minha filha, com 21 anos, sumiu no dia 23 de maio de 1985. Até hoje, não sei para onde anda. Minha filha me pergunta: ‘pai, será que um dia nós vamos sepultar minha mãe?’. Eu falo: filha, eu não sei”, diz.

O ex-policial também afirma que o grupo que liderava, o Serpente Negra, foi alvo de uma ordem de extermínio dentro da corporação. “Determinaram que era para exterminar os homens que pertenciam ao pelotão Serpente Negra. Mataram 35 policiais. Eu tenho provas”, diz.

Ferreira ressalta que o movimento atual busca, além da preservação do espaço, o reconhecimento histórico das vítimas da repressão. “A importância de manter essas memórias é enorme, porque um povo sem memória é um povo que não tem história”, afirma. “O Brasil precisa não esquecer de que ditadura é nunca mais mesmo”.

Aos 67 anos, ele vê na permanência no prédio uma forma de resistência e de reparação. “Estou aqui por causa da minha filha, pela mãe dela, pelos meus dois irmãos assassinados. Estou falando sozinho, mas continuo lutando. A nossa luta é contra a ditadura, contra a tortura, contra golpe de Estado. A única forma de negros e brancos andarem juntos é no processo democrático”, diz.

Graduado em jornalismo e pós graduado em Ciência Política. Foi produtor e chefe de redação na Alvorada FM, além de repórter, âncora e apresentador na Bandnews FM. Finalista dos prêmios de jornalismo CDL e Sebrae.