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Caso Mauro Cid: Gilmar já chamou de ‘tortura’ liberação de presos após acordo de delação

Em maio, ministro usou a palavra ‘perversão’ ao comentar estratégia da Lava-Jato para incentivar delações

Em maio, soltura após acordo de delação foi citada por Gilmar no STF

A soltura do ex-ajudante de ordens Mauro Cesar Barbosa Cid após sua delação ser homologada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) provocou reações de parte da comunidade jurídica. Começaram a circular nas redes sociais cobranças aos que antes criticavam a Lava-Jato por adotar o mesmo procedimento: só soltar o investigado após ele se transformar em delator.

O caso Cid trouxe de volta à redes sociais o vídeo de um julgamento da Corte em que o ministro Gilmar Mendes chama de “perversão” e “tortura” soltar presos após acordo de delação premiada. Ele se referia a um processo da Lava-Jato, operação também criticada por advogados pela estratégia de manter investigados presos até que se tornavam delatores.

"É muito grave para a Justiça ter esse tipo de vexame. As pessoas só eram soltas depois de confessarem e fazer acordo de leniência. Isso é uma vergonha e nós não podemos ter esse tipo de ônus. Coisa de pervertidos. Claramente se tratava de prática de tortura, usando o poder do estado. Sem dúvida nenhuma se trata de pervertidos incumbidos de funções públicas”, disse Gilmar Mendes em um julgamento no dia 9 de maio.

Na ocasião, a segunda turma do STF analisava um habeas corpus de Sergio de Souza Boccaletti, ex-engenheiro da Petrobras. Ele e Mário Ilineu Miranda foram presos na Lava-Jato suspeitos de serem operadores de propinas pagas a políticos do MDB. Boccaletti estava em liberdade condicional e teve essas restrições revogadas no julgamento do dia 9 de maio. Na sessão, o minsitro Dias Toffoli também fez críticas à estratégia de aplicar sanções aos investigados para que façam delação.

No feriado da Independência, quinta-feira, 7, a Polícia Federal fechou um acordo de colaboração premiada com o ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL). Ele estava preso desde 3 de maio, dia em que a PF deflagrou a operação Venire, para colher provas da suposta fraude dos cartões de vacinação do ex-presidente e sua filha.

Dois dias depois, no sábado, 9, o ministro Alexandre de Moraes aceitou a delação e colocou Mauro Cid em liberdade. O ex-ajudante de ordens também é peça central na investigação do caso das joias sauditas. Ele e o pai, Mauro Cesar Lourena Cid, são suspeitos de articularem um esquema internacional de venda de joias e presentes de ato valor que Bolsonaro ganhou durante agendas oficiais.

Opiniões

O acordo de colaboração premiada faz parte da legislação penal brasileira há décadas, mas se consagrou no âmbito da operação Lava-Jato e, por isso, virou objeto de duras críticas entre os garantistas processuais. O ex-defensor público Caio Paiva criticou a decisão de Moraes. Argumentou que a assinatura de acordo não deveria ser vinculada à soltura do investigado. “Ministro Alexandre de Moraes errou ao criar um contexto em que a prisão de Mauro Cid só se justificava até ele celebrar acordo de colaboração premiada”, escreveu em sua rede social.

O professor de direito Bruno Seligman de Menezes também usou sua rede para apontar problemas na decisão de Moraes no caso de Mauro Cid. “Não me agrada a concessão de liberdade provisória a partir da homologação de um acordo de colaboração premiada”, escreveu ele, afirmando que os erros da Lava-Jato não deveriam se repetir.

O procurador Douglas Fischer, que atuou na Lava-Jato, respondeu o professor de direito Bruno Menezes nas redes sociais: “Até agosto de 2018 foram feitas 197 colaborações no âmbito da Lava-Jato. Desses casos, quantos estavam presos e quantos foram soltos após as colaborações e as razões de cada caso?” O docente criticou a liberdade de Cid pós delação.

No site do Ministério Público Federal consta que, até agosto de 2021, a operação homologou 140 delações. O número varia por causa de anulações feitas pela Justiça.

O ex-defensor público e professor Caio César Paiva diz que, no ambiente legal da delação, o “devido processo legal é um mero estorvo”.

“Quando a concessão da liberdade coincide com a celebração de um acordo de colaboração premiada, é natural que se pense que a prisão tinha esse propósito: obter a delação. A Lava-Jato errou. O Ministro Alexandre de Moraes também. O Estado não pode prender ninguém para aguardar uma delação”, afirma Paiva.

Advogados que se destacaram fazendo oposição aos métodos da Lava-Jato ainda não se pronunciaram sobre o caso de Mauro Cid. Boa parte deles apoiou a candidatura de Luiz Inácio Lula a Silva.

Procurado pela reportagem, o advogado Marco Aurélio de Carvalho, coordenador do Prerrogativas, um grupo de juristas próximo ao governo, defendeu que a delação de Mauro Cid seja recebida “com cautela”.

“A delação não pode ser o único meio de prova e as circunstâncias precisam ser analisadas. Recebemos (a delação de Cid) com cautela e esperamos ele (Cid) traga outros indícios e provas que corroborem o que ele afirma. A delação, por si só, continua sendo um instrumento medieval, constrangedor e inadequado na nossa avaliação”, diz Carvalho.

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