O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Nunes Marques, votou nesta sexta-feira (23) para que o pagamento da dívida de R$ 160 bilhões de Minas Gerais com o governo federal fique suspenso até dezembro. Os demais ministros têm até a próxima sexta-feira (30) para votarem no julgamento.
Nunes Marques é o relator de uma ação na qual o governo de Minas pede autorização para aderir ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF), programa de renegociação das dívidas dos estados com o governo federal defendido pelo governo Zema para equilibrar as contas públicas mineiras.
Em julho de 2022, Nunes Marques concedeu uma decisão liminar autorizando Zema a iniciar o processo para aderir ao RRF mesmo sem a aprovação de uma lei nesse sentido pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). Agora, o plenário do STF decide, em um julgamento virtual, se mantém a liminar de Nunes Marques.
Em entrevista à Itatiaia nesta sexta-feira, Zema disse que ninguém propôs um caminho alternativo ao Regime de Recuperação Fiscal para equilibrar as contas públicas de Minas Gerais. “O estado hoje só está tendo os pagamentos em dia para fornecedores e para o funcionalismo estadual devido a nós termos uma liminar no Supremo, que muito provavelmente, dependendo da decisão, será estendida até dezembro.”, disse o governador.
Segundo Zema, é a liminar, e depois a adesão ao Regime de Recuperação Fiscal, é que garantem os pagamentos em dia do governo de Minas Gerais. “Quando essa liminar acabar, nós já deixamos claro que as contas não fecham. Os mineiros querem que falte remédio na farmácia? Que a merenda escolar volte a ser aquela água com arroz que já foi no passado? Que o funcionalismo público não tenha mais data para receber? Não é isso que eu quero”, acrescentou o governador.
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Líder da oposição na ALMG, o deputado Ulysses Gomes (PT) afirma que o governo Zema faz “jogo de cena” diante do STF, assim como nas propagandas de governo. “Na eleição, dizia que ‘Minas está nos trilhos”. Seis meses depois, diz que Minas está falida. Aliás, falida pra quem?”, questionou o parlamentar.
“Assim que se sentou na cadeira da reeleição, a primeira medida de Zema foi enviar ao Parlamento projetos para aumentar o próprio salário em 300%, criar secretarias para aliados derrotados e perdoar dívida bilionária de amigos empresários, aumentando as dívidas para os mineiros”, declarou Ulysses Gomes.
Prazo
Outro ponto fundamental que será decidido pelos ministros é quando Minas Gerais terá que voltar a pagar a dívida com o governo federal. Há uma divergência: o Ministério da Fazenda informou, em nota enviada à Itatiaia, que entende que a suspensão do pagamento da dívida acaba em julho e que os pagamentos voltam a ser realizados em setembro, referente ao mês de agosto.
Já o governo Zema sustenta que só precisa voltar a pagar a dívida em dezembro, argumento que foi aceito por Nunes Marques em seu voto nesta sexta-feira. É preciso aguardar os votos dos demais ministros para saber se essa posição irá prevalecer.
No processo no STF, Zema disse que se a suspensão do pagamento da dívida acabar em julho, o governo de Minas terá que desembolsar R$ 5,5 bilhões adicionais até o final do ano. Com isso, segundo o governador, há possibilidade de o estado voltar a atrasar salário dos servidores e descumprir acordo feito com a Associação Mineira de Municípios (AMM) para realização de repasses que estavam atrasados às prefeituras.
“Restaria prejudicada a prestação de serviços públicos essenciais, tais como educação, saúde, segurança, entre outros, bem como a manutenção de conquistas importantes alcançadas nos últimos anos, como o acordo com a Associação Mineira de Municípios (AMM), cumprimento dos índices constitucionais, recomposição do fundo de reserva de depósitos judiciais, e ainda aquelas afetas ao funcionalismo público, que finalmente passou a ter salários e benefícios pagos em dia”, disse o governador na petição apresentada ao STF.
Governo federal defende que a liminar seja derrubada
Zema acionou o STF no ano passado porque a ALMG nunca votou o projeto de lei, apresentado em 2019, em que ele pedia autorização para iniciar o processo de adesão ao Regime de Recuperação Fiscal. O governador afirmou que os deputados estaduais foram omissos e por isso pediu que o Supremo o autorizasse a ingressar no RRF mesmo sem aprovação da ALMG.
O pedido foi aceito na liminar concedida por Nunes Marques. Porém, agora que o assunto está em julgamento no pleno, o advogado-geral da União no governo Lula, Jorge Messias, defendeu que não é possível que Minas Gerais, ou qualquer outro estado, inicie o processo de adesão ao RRF por meio de uma decisão judicial. Na visão de Messias, os estados só podem fazê-lo se houver uma autorização expressa das respectivas Assembleias Legislativas.
“A exigência de edição de lei ou ato normativo que autorize o ente federativo [Minas Gerais] a ingressar no Regime de Recuperação Fiscal pela Lei Complementar nº 159/2017 não pode ser compreendida como letra morta, a ser superada, ainda que momentaneamente, por essa Suprema Corte”, sustentou o advogado-geral da União.
“Contrariamente a este raciocínio, a exigência de edição de leis ou atos normativos para a adesão ao Regime de Recuperação Fiscal demonstra a preocupação do legislador em conferir legitimidade democrática e segurança jurídica à escolha estatal, especialmente considerando as relevantes consequências financeiras, orçamentárias e administrativas a serem arcadas na hipótese de ingresso”, continuou Jorge Messias.
O deputado Ulysses Gomes, da oposição, afirma que apenas no último dia 13 de junho, 10 dias antes do início do julgamento, a ALMG recebeu o pedido do governador para desarquivar o projeto de lei em que pede autorização para ingressar no RRF. E que, mesmo assim, o texto ainda consta como arquivado na Casa.
“O governo, conforme vem sendo dito por Zema, tem uma base de 56 deputados e, em tese, conseguiria aprovar qualquer projeto na ALMG, como vem acontecendo até este momento, mesmo com a resistência firme da oposição. Ou seja, o Parlamento, na realidade, sequer tem projeto de lei sobre RRF para apreciar. Afinal, qual é a prioridade do Governo Zema?”, questiona Gomes.
Presidente do Sindicato dos Servidores da Tributação, Fiscalização e Arrecadação de Minas Gerais (Sinfazfisco-MG) criticou o voto de Nunes Marques e adotou a mesma linha da Advocacia-Geral da União. “O Sinfazfisco-MG espera que o STF compreenda que cabe à ALMG analisar e autorizar a adesão ao RRF”, disse Hugo René. “Assim, esperamos que os ministros do STF, devidamente esclarecidos, votem contra o relator para que a autorização do RRF tramite normalmente, de acordo com as funções de cada Poder (Executivo, Legislativo e Judiciário)”, continuou ele.
Regime de Recuperação Fiscal
Embora tenha obtido autorização de Nunes Marques para iniciar a adesão ao RRF em julho de 2022, o governo de Minas ainda não ingressou no programa. A principal vantagem do RRF é que, uma vez nele, Minas Gerais terá a dívida de R$ 160 bilhões com o governo federal refinanciada.
Assim, a ideia do governo Zema é que o pagamento da dívida seja retomada em dezembro, quando projeta que já estará no Regime de Recuperação Fiscal com o débito refinanciado e, portanto, mais fácil de pagar. É por isso que o julgamento que começou nesta sexta-feira (23) é importante.
O RRF é criticado pela oposição a Zema na ALMG. Como contrapartida de refinanciar a dívida, o governo federal exige que o estado tome uma série de medidas de contenção de gastos para demonstrar que é capaz de arcar com os pagamentos.
Entre as medidas, estão a venda de empresas estatais, como a Codemig, limitação de reajustes salariais para os servidores e também de concursos públicos, além da instituição de um teto de gastos estadual.