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A falta que faz ter um porta-voz

Um profissional preparado e bem informado pode contribuir e muito com um governo para evitar especulações e má interpretação

Porta-voz e a sua importância

Quero começar esta coluna homenageando alguns personagens que foram importantes na política brasileira sem receber um voto sequer. Falo de Alexandre Garcia, Antônio Britto, Cláudio Humberto, Sérgio Amaral, André Singer e Thomas Traumann, porta-vozes presidenciais nos governos de João Figueiredo, Tancredo Neves, Fernando Collor, Fernando Henrique, Lula e Dilma.

Até o governo Dilma, os porta-vozes foram fundamentais para fazer o elo entre a Administração Pública Federal e a mídia e, por consequência, com o cidadão, exercendo o papel de transmitir informações de forma clara e objetiva.

Um porta-voz é alguém que acompanha e conhece o governo “por dentro”, capaz de se limitar ao assunto em pauta, para informar sobre as agendas, ações e prioridades da administração. Não se trata de alguém preocupado em dar “unidade” ao discurso de um governo, que á naturalmente plural, mas que possa articular a transmissão da informação com a necessária clareza e de forma coerente com os objetivos e das ações de governo.

A ausência desse profissional contribui para eventuais más interpretações do discurso, que podem redundar em crises de imagem, desinformação ou desconfiança pública.

É fácil observar que, desde meados de 2020, quando através de medida provisória o cargo de porta-voz foi extinto pelo então presidente Jair Bolsonaro, os problemas de imagem aumentaram. Bolsonaro preferia fazer uma comunicação direta com seus eleitores no chamado “cercadinho” no Palácio da Alvorada ou por suas redes sociais, inclusive desdenhando da intermediação da imprensa na difusão da informação.

O que se viu foi uma comunicação contaminada pela visão de mundo e preconceitos que limitavam a capacidade de transmitir informações importantes para o público em geral. Se essa forma do ex-presidente se comunicar agradava uma parte do eleitorado, conseguia desagradar a uma importante camada que era crítica às palavras e declarações do presidente.

O mal uso das palavras e a péssima relação com a imprensa são fatores que, sem dúvida, contribuíram para uma queda de popularidade e, por consequência, para a derrota nas urnas do ex-presidente Jair Bolsonaro.

Lula venceu a última eleição e, também por medida provisória, recriou ministérios e cargos, mas não retornou com a figura do porta-voz. Atuando como a cara e a voz do seu Governo, Lula inicia seu terceiro mandato cometendo os mesmos erros do final da gestão de Jair Bolsonaro. As suas próprias visões de mundo vão sendo alardeadas através de dezenas de entrevistas concedidas em menos de 100 dias de gestão. Há dois ditados válidos para essa situação: ‘quem tem boca vai a Roma’ e ‘quem fala demais dá bom dia a cavalo”. Ou seja, um governante precisa falar com a população de uma forma franca e sincera, mas melhor dosada.

De janeiro até aqui, as iniciativas e realizações do governo federal vão sendo ofuscadas por falas atabalhoadas do presidente, passando uma ideia de desorganização e mesmo de ataques a adversários e a instituições.

Que chegue logo um porta-voz para que o governo possa ser avaliado mais por suas ações do que por suas palavras.

Doutor em Ciência Política, professor da PUC Minas, diretor do Instituto Ver Pesquisa e Estratégia e comentarista político da Rádio Itatiaia. Marido, pai de família, atleta amador e apaixonado por lugares, pessoas e aventuras.