Na última sexta-feira, dia 10 de outubro, foi o Dia Nacional de Combate à Violência Contra a Mulher. Estabelecida em 1980, o dia vista aumentar a conscientização sobre a seriedade da violência de gênero e tem o objetivo de conscientizar a população da luta que é considerada uma epidemia do século 21.
A violência de gênero não se limita à agressão física. Ela se disfarça em gestos sutis – no controle disfarçado de cuidado, nas palavras que ferem mais do que um golpe, nas humilhações, na manipulação emocional, na dependência financeira forçada como forma de anular a autonomia da mulher. Cada uma dessas atitudes é uma face da mesma estrutura — a que tenta dominar, silenciar e reduzir.
E ela também se infiltra nos espaços onde menos deveria existir: nos ambientes de trabalho. Segundo pesquisa realizada pela consultoria Think Eva em parceria com o Linkedin, embora ocorra o assédio sexual em todos os níveis hierárquicos, historicamente os alvos preferenciais são mulheres mais pobres – o que nos revela que a violência de gênero costuma ser acentuada pela desigualdade. Os dados mostram ainda que o debate sobre o tema permanece restrito às camadas mais privilegiadas, majoritariamente brancas e com formação superior — o que significa que as mulheres que mais sofrem continuam invisíveis.
O assédio moral, previsto no Código Penal, é outro rosto dessa mesma violência.
Ele aparece em humilhações públicas, “brincadeiras” ofensivas, gritos, xingamentos, apelidos pejorativos, cobranças desproporcionais e, até mesmo, em formas sutis — como a interrupção constante da fala de mulheres em reuniões, como se suas vozes não tivessem valor.
Quase metade dos profissionais brasileiros — homens e mulheres — afirmam já ter vivido situações de assédio moral no trabalho. Os impactos são profundos: irritabilidade, medo, insegurança, queda de desempenho e adoecimento emocional. E para as empresas, o custo é igualmente alto: uma cultura tóxica destrói talentos e compromete a confiança organizacional. Mas o cenário se agrava quando organizações e empresas se calam diante de profissionais assediadores porque “trazem resultados”, ou porque “devemos separar a vida pessoal da vida profissional”.
E por que falar sobre isso importa?
Porque Brasil ocupa a quinta maior taxa de feminicídio do mundo, segundo a Câmara dos Deputados.
Porque mulheres continuam em relações abusivas por dependência econômica.
E porque, no ambiente de trabalho, muitas permanecem em silêncio pelo mesmo motivo: o medo de perder o emprego — e, com ele, o direito à própria sobrevivência.
A pergunta que ecoa é inevitável: como romper com o ciclo de violência se o ambiente de trabalho também gera medo? E mais: como promover a autonomia e independência financeira se o espaço profissional – que deveria libertar - ainda oprime?
O Dia Nacional de Combate à Violência Contra a Mulher vem nos lembrar que o silêncio nunca é a resposta. O combate à violência contra mulheres exige mais do que campanhas de conscientização – existe sanções efetivas, políticas de prevenção, um olhar estrutural sobre as causas do problema e um comprometimento no monitoramento e na redução dos acontecimentos. Sem punições exemplares, sem o medo causado pelo constrangimento e sem a responsabilização de quem ocupa posições públicas ou de liderança, o ciclo da violência se perpetua.
Sem punições exemplares, a violência deixa de ser um desvio e passa a ser parte de um sistema. Um fracasso coletivo que ainda protege o agressor e desampara e descredibiliza a vítima. O pior risco é transformar a inação em algo pedagógico, pois quando o Estado não pune, ele educa – e ensina que a mulher pode ser violentada sem que nada aconteça.
Romper com esse ciclo significa transformar a dor em ação, o silêncio em voz e a lei em prática. Porque, no fim, não existe sociedade justa enquanto a mulher receita a sua sobrevivência – e ainda precisa escolher entre medo e o sustento.