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Clarissa Nepomuceno | Mulheres podem tudo? Entre carreira, família e escolhas

Redução da natalidade e aumento do divórcio grisalho refletem escolhas conscientes e estão diretamente ligados à presença feminina no mercado de trabalho

Mulheres independentes escolhem o próprio rumo

Nas últimas décadas, duas tendências têm marcado a vida das mulheres, que impactam diretamente a estrutura familiar: a redução da natalidade e o aumento do divórcio grisalho. Ambos os fenômenos refletem escolhas conscientes e que estão diretamente ligados à presença feminina no mercado de trabalho.

Estudos mostram que as mulheres são mais escolarizadas e já são maioria no mercado, mas enfrentam desigualdades profundas em rendimento e ocupações familiares.

A queda na natalidade não é apenas uma estatística, mas um reflexo das escolhas conscientes que as mulheres vêm fazendo em relação à maternidade. Os dados evidenciam caminhos diante de múltiplas demandas. Mulheres com educação e autonomia financeira resolvem adiar ou reduzir o número de filhos, priorizando carreira, estabilidade e realização pessoal. Além disso, fatores como os altos custos de criação de filhos e mudanças culturais sobre o papel da mulher na família contribuem para essa decisão.

Na outra ponta, o divórcio grisalho — o aumento de separações entre pessoas maduras, geralmente após os 50 anos — evidencia outro aspecto da autonomia feminina. Mulheres economicamente independentes sentem-se mais seguras para romper relações insatisfatórias, investir em projetos pessoais e reinventar conceitos tradicionais relacionados à satisfação na vida e vínculos afetivos. Esse fenômeno mostra como a liberdade financeira e a autoestima conquistadas no mercado de trabalho transformam o conceito de casamento e de vínculos afetivos na maturidade.

Ambas as situações — menos filhos e separações tardias — têm em comum um eixo central: o protagonismo feminino. Protagonismo significa liberdade de decisão — dentro e fora da carreira. À medida que as mulheres ganham autonomia para decidir sobre sua vida pessoal, repensar papéis tradicionais e construir trajetórias alinhadas com seus desejos e valores. Essa liberdade redefine a forma como encaramos família, maternidade e relacionamentos, e reforça a ideia de que ser protagonista da própria história vai muito além da carreira: é também sobre independência e assumir as rédeas do próprio destino.

No entanto, liberdade de escolha nem sempre equivale a satisfação plena. Muitas mulheres relatam exaustão ao tentar equilibrar carreira, maternidade e vida pessoal. A pressão para “ter tudo” — sucesso profissional, família e vida social ativa — gera desgaste emocional e físico, além de comparação e frustração nas redes sociais. Funciona como um lembrete de que protagonismo também implica em lidar com as fragilidades da vida, assim como reconhecer limites, redefinir expectativas e buscar qualidade de vida, e não apenas acumular conquistas.

É importante dizer: casamento não é autonegligência, e maternidade não é retrocesso. O problema nunca esteve nessas escolhas, mas sim em poder sustentá-las com as próprias mãos – e não como um peso nas costas. Hoje, a verdadeira conquista está em poder decidir: casar ou não, ser mãe ou não, permanecer ou se separar — sempre a partir do desejo e não da obrigação.

Nesse cenário, os homens também têm papel fundamental. O protagonismo feminino não é um movimento isolado: convoca-os a compartilhar responsabilidades, apoiar as escolhas femininas sem impor padrões tradicionais, reavaliar modelos de masculinidade e construir relações baseadas em parceria e respeito. No mundo do trabalho, significa promover equidade, combater desigualdades salariais e abrir espaço para que mais mulheres ascendam a posições de liderança.

Em resumo, ser protagonista da própria história vai muito além da carreira: é sobre caminhos, independência, autonomia e, acima de tudo, equilíbrio e bem-estar. E isso só será possível quando homens e mulheres caminharem juntos — multiplicando as oportunidades para que o fluir da vida esteja acompanhado de discernimento.

Clarissa Nepomuceno é advogada e sócia do escritório Nepomuceno Soares Advogados. Palestrante e professora universitária, defende que a independência financeira e a construção da carreira são fundamentais na ruptura dos ciclos de violência e para o alcance do ODS 5 – Equidade de Gênero.

A opinião deste artigo é do articulista e não reflete, necessariamente, a posição da Itatiaia.