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Ciro Dias Reis | Geopolítica se transforma em vetor do comércio global

Decisões econômicas são diretamente influenciadas pela dinâmica das conexões políticas entre os países

Relações geopolíticas afetam dinâmica comercial entre os países

Os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Donald Trump devem se reunir no próximo domingo, 26 de outubro, em algum momento do encontro da Asean (Associação das Nações do Sudeste Asiático), que se realiza na Indonésia.

Após mútuas trocas de farpas e acusações ao longo dos últimos meses, o sempre silencioso mundo da diplomacia entrou em ação para reabrir o caminho do diálogo entre Brasília e Washington, afetado desde a imposição de tarifas de 50% sobre nossas exportações para os Estados Unidos.

Muita água passou e continua passando debaixo da ponte desde 2 de abril, o chamado “Liberation Day”, que marcou o início do processo de tarifação de players do mundo todo no comércio com o país. O fato, mais do que sepultar o multilateralismo acrescentou um novo elemento ao já dinâmico redesenho geopolítico global. O cenário atual exige que governos, empresas e organizações de forma geral revisem conceitos, estratégias e modus operandi. Mais do que nunca.

A anunciada retomada das conversações Brasil-Estados Unidos vai ocorrer em contexto de preocupações generalizadas em relação a disponibilidade das chamadas terras raras, que são elementos essenciais nas soluções tecnológicas de última geração (dos carros elétricos aos jatos militares, passando pelos celulares). Aquelas matérias-primas são um tesouro predominantemente situado em subsolo chinês e cuja venda a outros países está sendo calibrada de acordo com os interesses de Pequim.

Como o Brasil também tem reservas significativas de terras raras é possível supor que o tema vá estar sobre a mesa de negociações no próximo domingo. Mais um caso, portanto, em que a realidade se impõe e leva os políticos a focarem nos negócios e deixarem de lado, pelo menos temporariamente, os arroubos e discursos.

A percepção desse ambiente em mutação como indutor de tendências esteve presente em seminário que organizei em Bruxelas no final do primeiro semestre para discutir o acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia, assinado em dezembro de 2024 e ora em fase de ratificação. Participaram do evento 14 especialistas e executivos do Brasil e de cinco países do continente,

incluindo dois representantes da Comissão Europeia, o escritório da Apex em Bruxelas e a missão diplomática brasileira para a União Europeia.

Nos vários painéis temáticos do seminário ficou clara a necessidade de uma consistente lição de casa por parte de empresas brasileiras diante de um novo cenário competitivo, estabelecido tanto pelo disruptiva movimentação tarifária como pela esperada vigência do acordo Mercosul-UE. O acordo abrirá portas do continente para maior volume de exportações brasileiras, mas em contrapartida atores nacionais terão que conviver com novos e aguerridos players europeus no nosso mercado (e muitos parecem não estar prestando atenção nessa via de duas mãos).

Aqui, novamente, a geopolítica ganha espaço nas decisões econômicas. Permite reflexões, por exemplo, o anúncio de renovação da frota da companhia aérea polonesa LOT feito no mês de junho. Operando há vários anos 45 aviões da Embraer, ela optou desta vez por encomendar modelos do consórcio europeu Airbus (40 unidades com opção para 44 adicionais) em detrimento de modernas versões da empresa brasileira. Difícil neste caso desconsiderar o peso da variável diplomática na decisão: vizinha do fortemente militarizado território de Kaliningrado, que pertence a uma Rússia altamente temida na região, a Polônia tem sido grande promotora da ideia de uma Europa organizada e pronta para defender o continente no caso de um eventual avanço de Moscou.

Sendo a LOT controlada pelo governo polonês não seria de se estranhar, nesse contexto, uma preferência da companhia por um fornecedor europeu. E não se pode esquecer que a Embraer é empresa sediada em um Brasil que mantém intactos seus laços políticos e econômicos com a Rússia, variável essa capaz de gerar forte desconforto no continente.

Independente das discussões sobre a lógica de sua criação o tarifaço americano consolida uma tendência: o comércio global entrou numa era onde parâmetros conhecidos dão lugar a sustos e incertezas sem hora marcada.

E por isso mesmo, comportamentos há tempos consolidados devem ser repensados e dar lugar a novos olhares e atitudes.

No novo formato de competição global não há mais espaço para a fórmula relativamente equilibrada do onze-contra-onze que permitia chamar o VAR (a Organização Mundial do Comércio, hoje esvaziada) para decidir quem estava certo. O tamanho do cacife já acumulado faz muita diferença para quem está no jogo. Aqueles que possuem menos fichas precisam se adequar rapidamente. Isso significa identificar possíveis vantagens competitivas e negociá-las de forma estratégica e cirúrgica. Só assim esses players terão condições de dobrar a aposta ou, pelo menos, pagar para ver.

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Ciro é atualmente board member da International Communications Consultancy Organization (ICCO) sediada em Londres; membro do Copenhaguen Institute for Futures Studies, na Dinamarca; membro do Crisis Communications Think Tank da Universidade da Georgia (EUA). Atua ainda como coordenador do PROI Latam Squad, grupo de agências de comunicação presente em sete países da América Latina.

A opinião deste artigo é do articulista e não reflete, necessariamente, a posição da Itatiaia.