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Ciro Dias Reis | Por que a África está no radar da Europa, da China e da Rússia

Continente africano se tornou ao longo dos últimos anos especialmente relevante para órgãos de comunicação independentes ou estatais

Xi Jinping já prometeu mais recursos para a região. Europeus também se interessam pelo continente

“Focus on Africa” da britânica BBC; “African Voices Changemakers”, da CNN; “DW News Africa”, da alemã Deutsche Welle; “Africa Live”, da TV estatal chinesa CGTV; e uma ampla programação da “African Initiative”, agência de notícias russa.

Tais transmissões são alguns exemplos de como o continente africano se tornou ao longo dos últimos anos especialmente relevante para órgãos de comunicação independentes ou estatais, em diferentes geografias. São elos importantes na construção de pontes e relacionamentos de longo prazo entre a África e países interessados em seu potencial econômico e geopolítico.

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Em setembro do ano passado, o presidente Xi Jinping prometeu na cúpula trienal do Fórum de Cooperação China-África realizada em Pequim aumentar o apoio da China à região com recursos de quase US$ 51 bilhões entre 2025 e 2027 para novos projetos capazes de gerar pelo menos 1 milhão de empregos.

O dinheiro viria de duas maneiras: 75% por meio de desembolso em linhas de crédito oficiais e o restante em novos investimentos diretos por empresas chinesas.

No encontro Xi Jinping afirmou aos delegados de mais de 50 nações africanas alí reunidas que seu país estava pronto para intensificar a cooperação na indústria, agricultura, infraestrutura e comércio.

“A China e a África representam um terço da população mundial. Sem a nossa modernização, não haverá modernização global”, disse o líder na ocasião.

Mas o país oriental não é o único que olha para aquele conjunto de 54 países e seu 1,5 bilhão de pessoas com interesses econômicos e geopolíticos. Hoje a África possui cerca de 17% dos habitantes do planeta, mas até 2050 essa participação deve chegar a 25%, com uma população que continuará jovem (hoje a idade média é de 20 anos) e representará um contingente cada vez mais atraente de mão de obra de baixo custo.

Europeus também se interessam pelo continente, mas como nem sempre estão dispostos a investir em países comandados por governos autoritários e ainda são frequentemente lembrados como antigos colonizadores, sua influência avança de forma muita mais limitada do que aquela emanada por Pequim e mesmo Moscou.

Sim, porque a Rússia tem feito avanços relevantes na África — particularmente em Burkina Faso, República Centro-Africana e Mali, países liderados por militares. No seu caso o interesse econômico tem escopo mais limitado do que o dos chineses, e está focado principalmente na obtenção de minerais e matérias-primas, oferecendo por sua vez apoio nas áreas militar e de segurança.

Em paralelo, Moscou desenvolveu uma eficiente máquina de propaganda que explora a antipatia existente em relação à Europa, particularmente à França, para pressionar os governos africanos a se aproximarem de seus objetivos de política externa (recentemente levou um grupo de influenciadores digitais africanos para áreas do território da Ucrânia hoje sob controle russo, com isso obtendo cobertura positiva).

Um exemplo concreto disso é o African Initiative, uma agência de notícias russa que cobre fatos e eventos em diferentes países do continente e se define como canal para “expandir mutuamente o conhecimento entre russos e africanos”.

Pesa sobre a African Initiative, no entanto, a percepção de ser ela o “principal veículo” russo de desinformação no continente segundo a Vignium, agência francesa que monitora interferências internacionais no ambiente digital.

Os europeus não têm um parceiro genuíno e engajado no continente e vários países preferem se equilibrar diplomaticamente entre apostas nas relações com a Europa e com a Rússia. A China trafega por ali com mais tranquilidade, uma vez que 52 dos 54 países da região já aderiram ao projeto global “Belt & Road” criado por Pequim e que já levou a construção de grande número de ferrovias, rodovias e portos destinados a facilitar o comércio com a própria China.

Ciro é atualmente board member da International Communications Consultancy Organization (ICCO) sediada em Londres; membro do Copenhaguen Institute for Futures Studies, na Dinamarca; membro do Crisis Communications Think Tank da Universidade da Georgia (EUA). Atua ainda como coordenador do PROI Latam Squad, grupo de agências de comunicação presente em sete países da América Latina.

A opinião deste artigo é do articulista e não reflete, necessariamente, a posição da Itatiaia.