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Clarissa Nepomuceno | Recomeços femininos que chegam pelo CNPJ: como mulheres reinventam carreira após rompimentos pessoais ou profissionais

Nem todo recomeço é planejado — alguns são empurrões da vida

Raquel Acioli (Taís Araujo) vende sanduíches em praia do Rio de Janeiro

O remake de Vale Tudo, que se encerrou na última semana, revive uma personagem que atravessou gerações: Raquel Acioli, símbolo da mulher que não se dobra diante das quedas da vida.

No início da trama, após a morte do pai, Raquel descobre que sua filha, Maria de Fátima, vendeu a casa onde viviam e fugiu para o Rio de Janeiro em busca de status e ascensão social. Rejeitada pela própria filha na capital, Raquel decide recomeçar do zero — e, com dignidade, transforma o que seria um fracasso em ponto de virada. Começa vendendo sanduíches naturais na praia, até fundar, com o amigo Poliana, uma rede de restaurantes de sucesso: a Paladar.

Raquel é muito mais do que uma personagem: é o espelho de milhões de brasileiras que, entre perdas e recomeços, constroem suas histórias com coragem – e muito trabalho.

Fora das telas, toda mulher já viveu um momento em que o chão pareceu desaparecer. O fim de um relacionamento, a demissão inesperada, o projeto que não deu certo, o olhar que desconsiderou o seu esforço. É o instante em que o mundo pede pausa — e a vida exige reinvenção.

Há algo de profundamente solitário nesse processo. A ruptura nos obriga a encarar o espelho com honestidade: quem somos sem o título, o crachá, o sobrenome, a relação ou o papel que desempenhávamos? Quando o chão desaparece, o que nos sustenta não é o cargo, status ou a relação – é o sentido. E é nesse momento que a queda se revela uma virada de rota na direção daquilo que realmente nos move, com a redescoberta da identidade e das motivações internas.

Muitas mulheres descobrem, no caos, o embrião de uma nova carreira. Estudos recentes mostram que, diante das adversidades, elas transformam desafios em oportunidade, criando e desenvolvendo seus próprios negócios. Essa capacidade de reinvenção revela a força da resiliência feminina — que resiste mesmo quando as condições são desfavoráveis, seja pela falta de acesso a recursos financeiros, pela persistência de uma cultura patriarcal ou pelos conflitos cotidianos na tentativa de conciliar trabalho, cuidado e vida pessoal.

A demissão que parecia injusta abre espaço para o empreendedorismo; o término doloroso revela talentos adormecidos; a crise se torna semente de propósito. E os números confirmam o movimento: o Brasil já conta com mais de 10 milhões de mulheres empreendedoras, e a participação feminina entre empreendedoras iniciantes atingiu 46,8% em 2024, segundo o Sebrae.

O dado mais potente não está na economia: está na transformação pessoal advinda dos recomeços. Pesquisas do Instituto Rede Mulher Empreendedora (RME), em parceria com o Instituto Locomotiva, mostram que 48% das entrevistadas conseguiram encerrar relacionamentos abusivos ou violentos depois de abrirem o próprio negócio. Para elas, empreender não é fuga: é resgate de poder.

O mesmo estudo também revelou que 72% das mulheres empreendedoras se consideram independentes financeiramente e 81% afirmam ter mais autonomia e satisfação em suas relações pessoais. Ao assumirem o protagonismo da própria história, essas mulheres deixam de ser coadjuvantes da vida que esperavam delas — e passam a ser autoras do próprio enredo.

O verdadeiro recomeço feminino vai além da independência financeira.

Ele acontece quando a mulher transforma o que a feriu em propósito — quando o trabalho deixa de ser apenas sustento e passa a ser expressão. Segundo o Sebrae e o Instituto RME, mais de 60% das mulheres empreendedoras afirmam ter aberto seus negócios para fazer algo com propósito ou ajudar outras pessoas. Empreender, nesse contexto, é mais do que abrir um CNPJ: é viver com coerência, alinhando o que se faz ao que se acredita.

É a passagem do trabalho ao chamado.

Toda reinvenção começa quando a mulher volta a falar — e a se ouvir. Recomeçar é, também, um ato de comunicação. É quando deixamos de silenciar a nossa história para contá-la em voz alta, com autenticidade e propósito.

Quando uma mulher recomeça, ela não apenas muda a própria vida — ela desafia um sistema que espera vê-la quieta, cansada, resignada.

A cada mulher que se reposiciona, abre-se espaço para outras também recomeçarem — com menos medo, mais consciência e mais liberdade. Porque recomeçar não é voltar ao ponto de partida. É escolher, com coragem, quem você decide ser daqui pra frente.

E você? Qual ruptura te ensinou a se reposicionar? O que precisou perder para que você se encontrasse?

Talvez o recomeço que você teme seja, na verdade, o início da sua melhor versão.

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Clarissa Nepomuceno é advogada e sócia do escritório Nepomuceno Soares Advogados. Palestrante e professora universitária, defende que a independência financeira e a construção da carreira são fundamentais na ruptura dos ciclos de violência e para o alcance do ODS 5 – Equidade de Gênero.

A opinião deste artigo é do articulista e não reflete, necessariamente, a posição da Itatiaia.