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Ciro Dias Reis | Estudo mostra o peso da política e das eleições na América Latina em 2026

Em uma Argentina igualmente polarizada o esforço de recuperação econômica é assunto de primeira grandeza

Resultado das eleições legislativas deste mês de outubro na Argentina pode garantir o apoio de que necessita Javier Milei para levar adiante seu projeto de cunho liberal

Na semana passada estive em Buenos Aires para um seminário sobre tendências da América Latina. Apresentei a uma plateia de executivos locais os resultados de levantamento coordenado por mim e que, com o apoio de colegas do núcleo Latam Squad da organização PROI Worldwide, pretendeu identificar prioridades e percepções de 160 empresas de diferentes setores da região em relação a 2026.

Aquelas organizações responderam a um questionário que navegava entre temas da economia global, o uso de inteligência artificial e a importância da cultura organizacional, entre vários outros. Ao final, perguntadas sobre a maior preocupação dentre todos os temas abordados, a “política local” ficou no topo da lista (“economia local” ficou apenas em terceiro lugar).

Não é difícil de entender esse resultado em uma América Latina de tantos altos e baixos no cenário político e altas temperaturas nos ambientes de poder nos sete países pesquisados: além do Brasil, também Argentina, Chile, Colômbia, Equador, México e Peru.

Em um Brasil claramente dividido e à espera dos resultados da retomada do diálogo do país com os Estados Unidos, o Supremo Tribunal federal (STF) acaba de condenar à prisão o ex-presidente Jair Bolsonaro e mais 6 pessoas. O mesmo tribunal inicia agora o julgamento de outros réus acusados do planejamento de um golpe de estado. Em paralelo, no âmbito de um Congresso de ambiente nervoso, grupo de deputados e senadores esboça projeto de anistia política que adiciona nova camada de tensões ao ambiente político. Isso tudo a apenas um ano das próximas eleições presidenciais.

Em uma Argentina igualmente polarizada o esforço de recuperação econômica é assunto de primeira grandeza. O resultado das eleições legislativas deste mês de outubro no país pode garantir o apoio de que necessita Javier Milei para levar adiante seu projeto de cunho liberal, isso no caso de vitória de sua ala política; ou ao contrário, as urnas podem vir a fragilizar sua gestão no caso da vitória de uma oposição conhecida por seu viés populista. Milei prometeu implementar grandes reformas, derrubar uma inflação que chegou a superar 110% ao ano (hoje, 36%), atrair novos investimentos e estabilizar a moeda. Esses esforços têm gerado sucesso parcial mas as constantes disputas políticas com a oposição inibem prognósticos de mais longo prazo. Algumas fragilidades já levaram o governo a solicitar recursos financeiros do FMI e apoio do governo americano para manter suas prioridades.

No Chile é alta a expectativa em relação ao resultado das eleições presidenciais no próximo mês de novembro. As pesquisas mostram um equilíbrio no favoritismo entre os principais candidatos da direita e da esquerda, colocando as empresas em compasso de espera e freando novos investimentos e decisões estratégicas.

Na Colômbia as eleições presidenciais chegam mais tarde, em maio de 2026, mas a campanha já está em andamento. Há um clima tenso protagonizado pelo confronto entre o governo de esquerda de Gustavo Petro e um amplo setor do Congresso. Foi nesse clima que o senador Miguel Uribe, forte crítico do governo, sofreu um atentado a tiros no mês de junho e veio a morrer em agosto, depois de dois meses no hospital.

No México, Claudia Sheibaum, primeira mulher a presidir o país, assumiu o governo em meados do ano passado. De forma habilidosa ela tem negociado com os Estados Unidos para evitar uma alta taxação de suas exportações e tem até 31 de outubro para fazer um acordo tarifário com o vizinho que é dono da maior economia do planeta. O fato de os Estados Unidos serem o destino de mais de 70% das vendas externas mexicanas (índice que é apenas pouco superior a 12% no caso das exportações brasileiras) requer justificada atenção, mas outra variável política preocupa: o fato de o México ter passado este ano a eleger por voto popular juízes de todas as instâncias no país, medida que pode fortalecer o governo ao mesmo tempo em que cria insegurança jurídica para empresas nacionais e internacionais.

No Equador, meses de turbulência política antecederam as eleições presidenciais de abril último, das quais saiu vencedor Daniel Noboa. Um breve período que se seguiu, de maior tranquilidade, foi interrompido por uma dinâmica de fatos novos: novas tensões sociais surgidas a partir do fim do subsídio governamental aos combustíveis (com impacto no custo de vida); protestos de grupos indígenas (de forte representatividade no país); veto da Corte Constitucional do país em relação a intenção do presidente de convocar uma Assembleia Constituinte; e, finalmente, um atentado frustrado contra o próprio presidente neste mês de outubro.

No Peru, país de crescimento mais rápido na região (média de 3,27% anuais entre 1980 e 2025), um novo presidente será eleito em abril do ano que vem, depois de sucessivas crises políticas locais. O país teve seis presidentes nos últimos dez anos, alguns dos quais levados a julgamento na Justiça e outro que se suicidou para evitar a prisão.

Na América Latina o cenário político costuma causar impacto comparativamente maior no humor dos agentes econômicos do que ocorre em democracias mais consolidadas da Europa, nos Estados Unidos e Canadá. Assim, o fluxo de investimentos e negócios na região é tradicionalmente influenciado pelos radares do poder e possíveis turbulências no horizonte, como mostra o levantamento do núcleo Latam Squad, da PROI Worldwide, junto a aquelas 160 empresas mencionadas.

Segundo o relatório Chief Economists’ Outlook do World Economic Forum divulgado na terceira semana de setembro, 72% dos economistas-chefes dos setores público e privado de diferentes continentes esperam que a atividade global enfraqueça em 2026. As razões: tensões comerciais, mudanças e incertezas políticas, avanços da inteligência artificial e até mesmo endividamento de países desenvolvidos. Esse conjunto de variáveis criou um ambiente vulnerável e fragmentado, segundo o estudo.

As três maiores economias da América Latina, pela ordem Brasil, México e Argentina, devem crescer este ano, respectivamente: 2,4% (previsão do Banco Mundial); 1,4% (Fundo Monetário Internacional); 5% (também segundo o FMI). Outros países da região também apontam para números positivos em 2025 apesar do ambiente global de incertezas.

Os investimentos da China na América Latina, por sinal, são um fator fundamental para entender a região neste momento. Eles têm avançado de forma significativa ao longo dos últimos anos e privilegiado setores como minerais estratégicos, veículos elétricos, transição energética, infraestrutura e tecnologia. Essa tendência é resultado concreto da informalmente chamada “Nova Rota da Seda”, programa lançado pela China em 2013 com o objetivo de expandir seus negócios e sua influência global por meio de investimentos em dezenas de países.

Até 2024, mais de 100 nações já haviam aderido ao projeto, oficialmente batizado de “Cinturão e Rota”, previsto para movimentar mais de um trilhão de dólares em investimentos. Dos países que já aderiram, 21 estão na América Latina e Caribe. Isso deixa claro o avanço chinês na região, para a qual Pequim prometeu adicionar o equivalente a US$ 52 bilhões em novas iniciativas e financiamentos, que irão se somar aos mais de US$ 100 bilhões já alocados.

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Ciro é atualmente board member da International Communications Consultancy Organization (ICCO) sediada em Londres; membro do Copenhaguen Institute for Futures Studies, na Dinamarca; membro do Crisis Communications Think Tank da Universidade da Georgia (EUA). Atua ainda como coordenador do PROI Latam Squad, grupo de agências de comunicação presente em sete países da América Latina.

A opinião deste artigo é do articulista e não reflete, necessariamente, a posição da Itatiaia.