Ouvindo...

8 de março | Computação em nuvem é trabalho de brasileira

Ela é uma cientista da computação que está sempre envolvida com tecnologias de vanguarda

Pesquisadora era líder de um grupo que desenvolvia a computação em nuvem na IBM

Era 2008 quando Dilma Menezes da Silva ajudou a desenvolver uma das tecnologias mais essenciais dos dias de hoje: a computação em nuvem. Boa parte dos serviços online que usamos no cotidiano só são possíveis porque essa tecnologia existe.

Leia mais:

Dilma atuava na IBM Research, em Nova York, nos EUA, como líder de sistemas operacionais quando seu grupo pesquisava o tema. “Tínhamos uma nuvem que usávamos internamente na IBM e eu era uma das líderes”, lembra. Algum tempo depois, ela foi para a Qualcomm Research, na Califórnia, e lá dedicou-se à interface da computação móvel com a nuvem.

Então, se você usa Netflix, aplicativo de banco, e-mail online, e-commerce e diversas outras aplicações, Dilma é uma das responsáveis por isso. Cientista da computação, ela sempre esteve envolvida com pesquisa acadêmica no segmento de desenvolvimento de software em máquinas virtuais. “As máquinas virtuais são o elemento básico da computação em nuvem.”

Em um computador pessoal, um único sistema operacional comanda todo o hardware. “A evolução veio quando, nos anos 1990 e 2000, a virtualização permitiu que um único dispositivo comportasse vários sistemas operacionais”, explica. “Eu estava envolvida nessa pesquisa. A VMWare desenvolvia isso e meu grupo na IBM Research fazia o mesmo no open source.”

Esse princípio foi aplicado na computação em nuvem: a ideia de que é possível executar um sistema operacional sobre outro enquanto se simula um hardware. “Na computação em nuvem, eu tenho uma máquina e, em vez de ter apenas um sistema operacional, como Microsoft ou Linux, executo vários deles”, descreve a pesquisadora.

Quando usamos a computação em nuvem hoje, é como se ela sempre tivesse existido. Sua aplicação de forma ampla, entretanto, deve ter por volta de uma década de existência. Antes dela, as empresas tinham dezenas ou centenas de equipamentos físicos. “Profissionais administravam esse parque tecnológico e era preciso arcar com a depreciação dele.”

Antes da nuvem, os centros de dados eram subutilizados porque precisavam estar preparados para atender aos clientes a qualquer momento, independentemente da demanda. “Era comum que o uso dos equipamentos fosse de cerca de 10%. Em momentos de alta demanda, chegava a 40% ou 50%”, aponta. “A grande revolução foi eliminar esse desperdício. Isso sem contar que todas as atualizações são mais ágeis e feitas diretamente no provedor do serviço.”

Com a computação em nuvem, veio a possibilidade de alugar poder computacional por hora, reduzir o espaço necessário para acomodar equipamento e eliminar a exigência de administradores de sistemas. “Em 2010, já sabíamos que a computação em nuvem seria um marco, mas ainda havia dúvidas se os usuários iam querer confiar suas informações a esse lugar”, lembra ela. “Depois disso, foi muito rápido.”

À época do desenvolvimento da tecnologia, havia muitas preocupações. “O presidente da Ford chegou a dizer que não acreditava que a computação em nuvem seria usada no projeto de novos carros, por medo de exposição de segredos industriais”, conta. “Hoje, os bancos estão na nuvem.” Naturalmente, as provedoras desse serviço têm muito mais condição de investir em segurança do que empresas de outros segmentos. “E o uso de criptografia impede acesso não autorizado.”

Atualmente, é comum que companhias ganhem e percam usuários em pouco tempo. Nesse cenário, ter um volume grande de equipamentos pode representar prejuízo quando a demanda diminui. “A elasticidade é um dos aspectos mais fascinantes da computação em nuvem: quando a empresa cresce rapidamente, basta alugar mais poder computacional. Se há queda de interesse, é só deixar de alugar.”

E isso pode ocorrer inclusive ao longo do dia, de acordo com o horário. “O Pinterest, por exemplo, muda o volume necessário conforme a demanda. Em momentos com poucos clientes, eles reduzem. Quando há muitos, eles aumentam”, comenta. “Isso diminui o capital empenhado em máquinas, os salários pagos a especialistas e a necessidade de decidir constantemente se é necessário aumentar a quantidade de dispositivos.”

A decisão de ser professora

Dilma tem credenciais robustas: cientista da computação pela Universidade de São Paulo (USP), mestre na mesma área e na mesma instituição, e doutora, ainda em Ciência da Computação, pelo Instituto de Tecnologia da Geórgia, o Georgia Tech, nos EUA. A jornada, entretanto, começou no curso de Matemática.

Embora achasse que seus pais ficariam contentes se ela fizesse medicina, escolheu matemática quando foi prestar vestibular. “A computação na USP está no Instituto de Matemática e Estatística (IME). Quando fiz a primeira aula de introdução a ciência da computação, me apaixonei e decidi que queria fazer aquilo.”

Ainda durante a graduação, Dilma descobriu que os “professores da universidade são pagos para estudar e viajar”. “Achei aquela vida tão legal que decidi ser professora”, brinca. “Atuei na USP por um tempo e depois decidi trabalhar com mais gente da minha área, nos EUA. Foi meio acidental, mas dei muita sorte.”

Atualmente, ela é professora titular na Universidade A&M do Texas, nos EUA. “Eles me emprestaram para o governo federal e agora estou dirigindo uma divisão de pesquisa na Fundação Nacional de Ciência (National Science Foundation).” Há 22 anos nos EUA, a pesquisadora já havia passado um período de 5 anos no país durante o doutorado.

Ela lamenta que haja poucas mulheres na área de computação. “Na minha turma na USP, tinha mais. Muita gente entrava em matemática, como eu, e depois ia para a computação”, conta. “Quando os estudantes começaram a entrar diretamente em computação, parece que muitos não se veem na área.”

Dilma diz que gosta de ensinar introdução à computação, mas que, por ser professora titular, normalmente não pega turmas iniciantes. “Acredito que, se a gente conseguisse ensinar conectando com as histórias pessoais dos alunos, a gente poderia absorver mais talentos para a área”, avalia. “A computação está mudando muito: na inteligência artificial, por exemplo, é preciso resolver problemas com base em muitos dados.”

Inovação contínua

No início, as aplicações da computação em nuvem não eram muito sofisticadas, mas a inovação nunca parou. “Hoje, trabalho com serverless computers [computadores sem servidor]. Isso permite que uma empresa pague apenas pela execução de funções específicas na nuvem”, explica. “É um cenário muito melhor do que alugar computadores inteiros, ter de atualizar sistemas sempre que necessário e pagar mesmo quando não estão em uso.”

Esse conceito já é pesquisado tanto em universidades quanto em empresas e há muita troca de informações entre eles. “A nuvem ainda está evoluindo, mas precisa avançar mais porque atualmente consome muita energia elétrica. É preciso agir para que ela se torne sustentável e não piore as condições do meio ambiente.”

Esses sistemas são bastante complexos e estão sujeitos a falhas. “Isso é bom para mim, que resolvo isso”, diverte-se ela. “Já houve ocasiões em que os provedores ficaram 12 horas fora do ar. Serviços que usamos no dia a dia, como a Netflix, são afetados quando há essas ocorrências.” Apesar desses riscos, houve muitos avanços em todos os segmentos graças à computação em nuvem.

Outra adversidade é o fato de a maioria dos sistemas ter bugs. “São eles que controlam sistemas de distribuição de energia elétrica, de navegação de aeroportos e de administração de hospitais, entre outros.” Para Dilma, é preciso se preocupar em garantir que os programas sejam verificados de modo a evitar falhas. “Uma vez, li um artigo sobre a morte de vários pacientes que faziam quimioterapia e receberam a dose errada de medicamento por erro do sistema.”

Ela aponta que é preciso desenvolver ferramentas que procurem esses erros para que sejam corrigidos. “Tento, como posso, formar gente para trabalhar nessa área e incentivá-los a resolver os problemas mais difíceis.” Dilma recomenda que todos tentem aprender programação, independentemente do segmento em que atuam. “Sempre ajuda”, diz.

Para o futuro, a pesquisadora aposta no uso de cada vez mais sensores. Eles vão coletar dados e informar os sistemas sobre as necessidades do usuário. “A casa inteligente vai ter vários dispositivos que trabalham em conjunto e podem informar um idoso que mora sozinho quando ele guardar o leite no armário em vez de colocá-lo na geladeira, por exemplo”, diz. “Essa computação imersa vai auxiliar em aspectos como diversão, saúde, produtividade e outros.”

Ao fim da entrevista, Dilma prevê um sistema que ajude jornalistas a cortar entrevistados que falem demais ou que forneça insights que possam ser aproveitados na conversa. “Assim, é possível prestar atenção na fonte sem ter de lembrar sozinho de todos os tópicos a serem discutidos. Isso vai permitir que haja mais espaço para a criatividade.” Por mim, posso dizer que aguardo ansiosamente por essa ferramenta.

No decorrer desta semana, entre 6 e 10 de março, você encontra outras histórias de mulheres brasileiras que atuam de forma inovadora no segmento de tecnologia aqui no Itatiaia Tecnologia. Acompanhe todas elas: a segunda-feira (6) teve a criadora da cadela-guia robô Lysa, a terça-feira (7) apresentou a investigadora de golpistas, a quinta-feira (9) revelou a pesquisa da psiquiatra que demonstrou que as notificações de apps viciam e a sexta-feira (10) mostrou a engenheira que transformou um Fusca 1972 em carro elétrico.