Nas ruas de Belo Horizonte não foi difícil encontrar quem já tenha passado por isso ou presenciado situações de desrespeito. Rosângela Dias, de 67 anos, conta que sente os efeitos do preconceito enquanto anda de ônibus. “Pessoas não dão lugar para os idosos. São pessoas jovens que fingem estar dormindo. Um absurdo ao direito dos idosos.”
Romualdo Costa, de 63 anos, conta que já viu muito desrespeito no coletivo e em fila, local em que ele disse presenciar a maior quantidade dessas situações. “Mas isso, como se diz, é falta de educação”, defende. o que na verdade é crime, muitas vezes, acaba sendo normalizado pelos próprios idosos, justamente pela frequência com que ocorre.
É o que a diretora da faculdade de enfermagem da UFMG e coordenadora do projeto “Cuidar Cuidando-se, atenção à saúde da pessoa idosa”, Sônia Maria Soares, alerta. “Nós temos que ter um engajamento político para respeitar os nossos códigos de conduta, para respeitar as leis que estão e, acima de tudo, a gente não pode se contentar e não dizer nada.”
Quando o lar se transforma: oito em cada dez casos de agressões contra idosos acontecem nas residências Idosa recebe filho de volta em casa e é coagida a entregar acesso de contas bancárias 40 mil idosos sofreram algum tipo de violência em Minas nos quatro primeiros meses do ano
Alguns podem achar que são apenas atitudes corriqueiras, que não demonstram nada demais. No entanto, o preconceito contra pessoas idosas pode configurar crime e está previsto no estatuto do idoso, explica o advogado criminalista Thiago Calazans, do escritório Calazans Advocacia Especializada.
“O etarismo acontece quando há um desdém, um menosprezo, um tratamento desigual com essas pessoas mais velhas. É quando falta a oportunidade de emprego, é quando também não tem uma prioridade em uma fila do supermercado. Isso tudo reflete nesse preconceito pela idade, pela capacidade da pessoa. O etarismo no Brasil não configura um crime propriamente dito. Entretanto, no estatuto do idoso, quando a pessoa se extrapola, se excede nessa discriminação e nesse preconceito, pode sim configurar o crime” detalha Thiago Calazans.
O que causa ainda mais espanto é que esse tipo de preconceito é cometido por pessoas que inevitavelmente também vão envelhecer. Segundo a Organização Mundial da Saúde, até o fim de 2026, pela primeira vez na história, o planeta terá mais idosos do que crianças. O diretor estadual de políticas para pessoa idosa de Minas Gerais, Mauro Felipe, defende que é hora de mudar a forma como a sociedade enxerga quem passou dos 60 anos.
“A OMS diz que idoso é aquela pessoa que tem acima de 60 anos. Mas a expectativa de vida aumentou muito. Nós temos que dar a condição do idoso de socializar. Para ter qualidade de vida é preciso ter autoestima lá em cima, possibilidade do idoso se reinserir na sociedade. As pessoas, muitas das vezes, não aceitam o idoso na sociedade. O que nós temos que fazer para que a gente possa dar uma condição melhor para o idoso a nível de Brasil, a nível de Minas Gerais? Nós estamos cheios de idosos com muito potencial, mas que não são aproveitados, muita das vezes, porque tem um processo discriminatório muito grande”, completa Mauro Felipe.
Mesmo com tanto preconceito, atualmente o Brasil conta com cerca de 3 milhões de trabalhadores formais com mais de 60 anos. O número representa cerca de 6% de todos os empregos com carteira assinada no país. A dona Maria Benedita de Oliveira, de 75 anos, é uma dessas pessoas. Mesmo aposentada, ela conta que não larga o serviço.
“Eu gosto de trabalhar. Eu sou forte ainda. Eu gosto de ver gente. (...) eu gosto de estar na ativa, fazer sempre alguma coisa, mas tem que estar fazendo. Não consigo ficar parado”, explica Maria Benedita. Já o senhor Moisés Soares, de 66 anos, afirma que chegou a ficar um período em casa após a aposentadoria, mas decidiu voltar ao mercado de trabalho porque se sente mais útil à sociedade.
“Eu voltei a trabalhar, cansei de ficar parado e eu acho que é uma forma de eu me sentir mais útil também. Eu acho que ficar parado, fica meio esquisito”, comenta Moisés Soares.