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Dez anos de Mariana: Fundação Renova, meio ambiente e os caminhos da reparação

A Itatiaia foi em busca de respostas sobre as iniciativas de reparação pela tragédia que ocorreu em novembro de 2015

Fundação Renova foi extinta em outubro de 2024

Nos dez anos que separam o rompimento da barragem de rejeitos da mineradora Samarco, em Mariana, dos dias atuais, uma das palavras mais repetidas é “reparação”. A tragédia matou 19 pessoas, dizimou duas comunidades do município mineiro e ficou marcada na história brasileira como a maior tragédia socioambiental do país.

Entre as medidas adotadas, houve a criação da Fundação Renova, alvo de críticas dos atingidos, além do pagamento de indenizações, da construção de novos distritos para quem perdeu tudo e de promessas de recuperação ambiental. A dúvida que fica é: pode-se dizer que houve uma reparação eficaz e satisfatória dos danos causados em tantas esferas? A Itatiaia foi atrás dessa resposta.

A polêmica Fundação Renova

Em 2016, no ano seguinte ao rompimento da barragem, os governos federal, de Minas e do Espírito Santo, órgãos de Justiça e as mineradoras Vale, BHP e Samarco criaram a Fundação Renova, que ficaria responsável por gerir todas as ações de reparação. A atuação da entidade foi polêmica, gerando críticas entre os atingidos.

Em maio de 2019, por exemplo, atingidos afirmaram, em audiência pública realizada na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), que a Renova criminalizava e silenciava as vítimas do rompimento, com ameaças, perseguição e promovendo assédio e divisão entre as comunidades, além de ignorar direitos e adiar o cumprimento de acordos.

A fundação foi acusada ainda de se aproveitar da “morosidade da Justiça” para protelar a reparação dos danos às comunidades, atuando como defensora dos interesses das mineradoras.

‘Criação foi um erro’

De acordo com o prefeito de Mariana, Juliano Duarte (PSB), a criação da Fundação Renova foi um erro. “Nenhum prefeito foi ouvido quando ela se constituiu. Criaram um sistema de governança burocrático que nunca funcionou, cheio de alçadas, esferas e comitês. As coisas iam se parando e se perdendo pelo caminho. O que era necessário fazer, a reparação direta aos atingidos e aos municípios, não aconteceu”, aponta.

Para o prefeito, a população não reconhece a atuação da entidade como benéfica aos atingidos. “Quando você chega nos territórios e pergunta o que a Fundação Renova fez, a resposta é unânime: foi um erro. Pena que demorou nove anos para acabar, porque gastaram muito dinheiro que poderia ter mudado a realidade das cidades”, acrescenta.

‘A Renova cumpriu seu papel’

Por outro lado, a diretora jurídica e de riscos da Samarco, Najla Lamounier, avalia que a Renova cumpriu seu papel. “Na época, em 2016, sua constituição representou uma solução possível e inovadora diante da complexidade do cenário: uma instituição autônoma, privada, que receberia os recursos necessários para executar os 42 programas de reparação. Foram destinados R$ 38 bilhões às ações de reparação social e ambiental, sendo R$ 18 bilhões em indenizações e para a conclusão das construções iniciadas antes do novo acordo nos distritos de Bento e Paracatu. Ou seja, a Fundação Renova cumpriu o seu papel”, argumenta Lamounier.

Com a assinatura do novo acordo, em outubro de 2024, a Renova foi extinta. O grau de cumprimento das ações previstas no primeiro acordo de reparação, assinado em 2016, foi considerado inferior ao observado no caso do rompimento da barragem de Brumadinho, em 2019. Por isso, segundo a Agência Minas, o novo acordo buscou aproximar a governança do caso de Mariana à de Brumadinho.

A Agência Minas Gerais apontou que, nove anos depois do rompimento, 12 dos 42 programas do Termo de Transação de Ajustamento de Conduta (TTAC) inicial continuam parados. Mais da metade das 832 deliberações do Comitê Interfederativo (CIF), criado para acompanhar as ações da Fundação Renova, não teriam sido cumpridas.

Reparação ambiental

O rompimento da barragem em Mariana fez com que uma onda de rejeitos, formada por cerca de 40 milhões de metros cúbicos, alcançasse o Rio Doce, avançando até desaguar no oceano Atlântico no dia 21 de novembro de 2015, no distrito de Regência, município de Linhares, no Espírito Santo.

O presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Doce, José Carlos Los Júnior, atualiza a situação atual. “Houve muito trabalho técnico desenvolvido por meio das câmaras técnicas e um grande conjunto de ações de compensação nas áreas de saúde, restauração florestal e saneamento. Isso é importante para os 228 municípios da bacia, mas houve pouca ação efetiva no sentido de reparar o dano em si, que seria retirar o rejeito da calha do rio. Isso não aconteceu”, aponta ele.

Segundo o representante do comitê, a principal fonte de contaminação ainda está no rio. “A lama de rejeitos continua dentro da calha. A fonte de contaminação, ou seja, o acúmulo de metais pesados derramados no rio, permanece lá”, completou.

De acordo com a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, mais de nove milhões de metros cúbicos de rejeitos ainda não foram recolhidos. “Toda vez que vem uma chuva e isso é removido, você tem mais dispersão, mais contaminação”, apontou ela em discurso. Para a ministra, o novo acordo firmado em outubro do ano passado garante a recuperação ambiental sob responsabilidade das empresas.

“As empresas queriam pagar alguns ‘caraminguás’ e deixar que o Estado fizesse a parte de recuperação. Nós trabalhamos para que a obrigação de recuperar o que destruíram seja delas, com a nossa supervisão e fiscalização”, completou Marina Silva.

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Allãn Passos é jornalista, nascido em Mariana, formado pela UFOP em 2012. Atuou como assessor de comunicação na Prefeitura de Mariana e na Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais. Entre 2015 e 2018 foi repórter aéreo de trânsito. Desde abril de 2018 é editor e apresentador do Jornal da Itatiaia Noite. Integrante do PodTudo, atua como repórter e apresenta os programas Chamada Geral e Plantão da Cidade nas férias e folgas dos titulares.
Mineiro de Urucânia, na Zona da Mata. Mestre em Comunicação pela Universidade Federal de Ouro Preto (2024), mesma instituição onde diplomou-se jornalista (2013). Na Itatiaia desde 2016, faz reportagens diversas, com destaque para Política e Cidades.
Maic Costa é jornalista, formado pela UFOP em 2019 e um filho do interior de Minas Gerais. Atuou em diversos veículos, especialmente nas editorias de cidades e esportes, mas com trabalhos também em política, alimentação, cultura e entretenimento. Agraciado com o Prêmio Amagis de Jornalismo, em 2022. Atualmente é repórter de cidades na Itatiaia.