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Uma década depois, tragédia de Mariana segue sem condenações: quais os motivos?

A Itatiaia ouviu profissionais do Direito e moradores que apontam os motivos e os impactos da absolvição dos réus pela tragédia

O rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana, ocorreu no dia 5 de novembro de 2015

Dez anos se passaram desde o rompimento da Barragem de Fundão, em Mariana, e ninguém foi responsabilizado. A tragédia, que matou 19 pessoas e despejou mais de 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério no Rio Doce, segue sem culpados.

Isso porque, no dia 14 de novembro de 2024, exatamente nove anos e nove dias após a maior tragédia ambiental da história do Brasil, uma decisão do Tribunal Regional Federal da 6ª Região, na subseção de Ponte Nova, absolveu as mineradoras Samarco, Vale e BHP pelo episódio.

Durante esse período, muitos classificaram a tragédia como um crime ambiental. Diversos acordos foram firmados, e uma guerra judicial, com várias batalhas, foi travada. Porém, no julgamento, o veredicto apontou para outro caminho, que não o da condenação. Mas o que isso significa?

O julgamento teve como base a denúncia do Ministério Público Federal (MPF), que acusou os réus de crimes como homicídio qualificado e lesão corporal, acusações que foram afastadas pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) em 2019.

De acordo com o advogado criminalista Paulo Crosara, isso ocorreu porque as defesas dos réus conseguiram afastar a tese de conexão direta entre a responsabilidade e o rompimento. Isso, segundo ele, justifica o fato de que, dez anos após o rompimento da barragem, ninguém tenha sido preso.

“A juíza federal concluiu que nem mesmo os crimes de desabamento ou os crimes ambientais ocorreram. Ela afirmou que não há nexo de causalidade entre as condutas dos réus e os resultados. E há uma questão muito grave nesses autos, porque uma testemunha-chave, o projetista da barragem, teria sido instruída por alguém do próprio Ministério Público a dizer que avisou a direção sobre um possível desabamento, o que nunca ocorreu. Me parece que isso aí, em bom português, derrubou a tese acusatória”, ponderou Crosara.

O advogado explica que não houve prisões porque a Justiça entendeu que não houve crime. Ou seja, ficou decidido que o rompimento não foi causado pelas ações dos réus.

“O que ficou definido na sentença é que não se comprovou o nexo de causalidade entre as condutas e o resultado. Ou seja, podemos dizer que a Justiça concluiu que não houve crime, apesar do desastre”, explicou ele.

O rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana (MG), matou 19 pessoas

“Enquanto houver impunidade, esses crimes vão continuar ocorrendo”

Guilherme de Sá Meneghin, que foi delegado da Polícia Civil antes de se tornar promotor de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), é natural da vizinha Ouro Preto e atuou por dez anos na comarca de Mariana, entre 2014 e 2024. À Itatiaia, ele revelou que muitos dos crimes prescreveram e que a acusação de homicídio foi arquivada. Meneghin classifica o desfecho como “lamentável”.

“Vários dos crimes já estão prescritos e, além disso, algumas absolvições já foram consolidadas, especialmente as imputações de homicídio. É insatisfatório o que ocorreu. É lamentável você ter pessoas que praticaram um crime tão grave e não ter nenhuma consequência penal aplicada. Eu só posso pensar que, enquanto houver impunidade para crimes dessa magnitude, eles vão continuar ocorrendo, como continuaram. Brumadinho ocorreu depois de Mariana”, apontou.

O distrito de Bento Rodrigues foi um dos destruídos pelo rompimento da barragem

MPF apresenta recurso contra absolvição

O Ministério Público Federal (MPF) apresentou recurso contra a sentença de primeira instância que absolveu os réus. Na petição, que será julgada pelo Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF6), o órgão questiona principalmente o argumento de que as provas apresentadas não permitiriam identificar as condutas específicas de cada acusado que levaram ao rompimento da barragem.

Antônio Gonçalves, 56 anos, mais conhecido como Da Lua, é ex-morador de Bento Rodrigues, distrito arrasado pela lama. Ele lamenta a decisão final.

“Infelizmente, ninguém foi punido. O que realmente ficou punido foi a população de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, onde há pessoas que perderam a vida, pessoas que até hoje não foram reconhecidas como atingidas, e hoje você não vê ninguém responsabilizado. A Justiça se arrastou. É a Justiça brasileira que nós temos hoje, infelizmente”, desabafou.

Ex-morador de Paracatu de Baixo, outra comunidade destruída pela lama, Dan Mol afirmou que jamais acreditou em punição, dada a condição financeira das empresas envolvidas.

“No meu caso, por exemplo, eu não esperava mesmo que ninguém fosse punido, porque, pelo dinheiro que a empresa tem, pelos advogados, né? Aquilo ali foi um crime”, ressaltou ele.

Apesar da absolvição na esfera criminal, o processo cível de reparação de danos continua em andamento, com uma ação coletiva em curso na Inglaterra e um acordo de repactuação firmado em 2024, no Brasil.

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Allãn Passos é jornalista, nascido em Mariana, formado pela UFOP em 2012. Atuou como assessor de comunicação na Prefeitura de Mariana e na Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais. Entre 2015 e 2018 foi repórter aéreo de trânsito. Desde abril de 2018 é editor e apresentador do Jornal da Itatiaia Noite. Integrante do PodTudo, atua como repórter e apresenta os programas Chamada Geral e Plantão da Cidade nas férias e folgas dos titulares.
Mineiro de Urucânia, na Zona da Mata. Mestre em Comunicação pela Universidade Federal de Ouro Preto (2024), mesma instituição onde diplomou-se jornalista (2013). Na Itatiaia desde 2016, faz reportagens diversas, com destaque para Política e Cidades.
Maic Costa é jornalista, formado pela UFOP em 2019 e um filho do interior de Minas Gerais. Atuou em diversos veículos, especialmente nas editorias de cidades e esportes, mas com trabalhos também em política, alimentação, cultura e entretenimento. Agraciado com o Prêmio Amagis de Jornalismo, em 2022. Atualmente é repórter de cidades na Itatiaia.