Apesar da relação entre obesidade na meia-idade e prejuízo cognitivo já ser conhecida, ainda há poucas evidências sobre como a variação de peso ao longo da vida afeta o funcionamento cerebral. Agora, um estudo brasileiro aponta que
O trabalho foi publicado em abril no periódico científico Neurology, resultado da tese de doutorado do geriatra Paulo Henrique Lazzaris Coelho. Para o estudo, cerca de 11.361 participantes do Estudo Longitudinal Brasileiro de Saúde do Adulto (ELSA-Brasil), um dos maiores estudos de saúde sobre a população adulta do país, foram observados.
O levantamento acompanha, desde 2008, servidores públicos de seis capitais brasileiras, com idades entre 35 e 74 anos. Embora não seja possível obter as medidas reais de peso desde a infância, os pesquisadores conseguiram se basear em silhuetas corporais autorrelatadas pelos próprios participantes, em cinco momentos da vida: aos 5, 10, 20, 30 e 40 anos.
Assim, cada participante selecionava a figura que mais se parecia com seu corpo em cada faixa etária, o que permitiu estimar variações de peso e categorizar os perfis em: abaixo do peso, peso normal, sobrepeso e obesidade.
Com os dados, os autores conseguiram estabelecer quatro padrões predominantes de trajetória: “peso normal estável”, “normal para sobrepeso”, “abaixo do peso para normal” e “sobrepeso estável”.
Cognição
Já a função cognitiva dos participantes foi avaliada por meio de três testes padronizados, aplicados em três momentos diferentes ao longo de oito anos. “A maioria dos estudos olha para o indivíduo uma vez só, fazendo uma fotografia do desempenho cognitivo daquele momento. No nosso estudo, como avaliamos três momentos, conseguimos criar um filme sobre a cognição daquela pessoa”, observa Coelho à Agência Einstein.
O teste de memória foi um dos métodos aplicados. A partir dele os voluntários precisavam memorizar e depois recordar listas de palavras simples após curto e médio intervalos de tempo.
“Esse é um teste padronizado para avaliação da cognição na doença de Alzheimer. Com ele a gente mede capacidade do indivíduo se lembrar das palavras avaliando tanto a memória imediata, logo após ele ver a lista, quanto a memória tardia”, explica.
Outro teste foi de fluência verbal semântica, que visa avaliar a linguagem. Neste teste, os participantes tiveram que falar em um minuto a maior quantidade de palavras nas categorias animais e vegetais.
A fluência verbal fonêmica também foi avaliada. Neste caso, os voluntários tiveram que falar a maior quantidade de palavras que começassem com as letras A e F. “Com esses testes computamos a quantidade total de palavras que eles produziam e, com isso, foi possível fazer uma avaliação global de linguagem”, explica o pesquisador.
Para finalizar, os pesquisadores avaliaram a função executiva, ou seja, a capacidade de planejar, organizar e executar tarefas. Essa categoria foi medida por meio de um teste de trilhas, em que os participantes precisavam conectar letras e números em sequência alternada, sendo o tempo de execução o principal indicativo de desempenho. “Quanto menos tempo ele demora, melhor”, afirma Coelho.
Declínio acelerado
Ao longo das três fases de avaliação cognitiva, os pesquisadores observaram que os grupos que apresentaram ganho de peso ao longo da vida sofreram um declínio cognitivo acelerado em comparação aos participantes que mantiveram o peso normal de forma estável.
Os resultados foram observados, em especial, naqueles que passaram de peso normal para sobrepeso, os que saíram de abaixo do peso para normal e os que se mantiveram com sobrepeso.
Na prática, essas trajetórias significaram um envelhecimento cerebral antecipado de 4,6, 4,9 e 6,5 anos nos três cenários, respectivamente, com prejuízos mais pronunciados na memória e na função executiva.
Para Coelho, múltiplos fatores podem justificar esses achados. Segundo o pesquisador, o ganho de peso ao longo da vida pode aumentar o risco de doenças cardiovasculares o que, como consequência, tem impacto direto no cérebro.