Deputados e senadores da oposição criticam decisão monocrática e pedem limite ao STF

Parlamentares acusam Supremo de querer ‘fechar o Congresso’ e anunciam PEC para limitar atuação de ministros

Coletiva da oposição no Congresso

Em uma coletiva marcada por discursos duros e tom de alerta, parlamentares da oposição no Congresso Nacional reagiram, nesta quarta-feira (3), à decisão monocrática do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, que restringe a possibilidade de apresentação de pedidos de impeachment contra ministros da Corte.

Reunidos em Brasília, deputados e senadores classificaram o ato como uma tentativa de “blindagem institucional” e de concentração de poder no Judiciário, reduzindo a atuação do Senado Federal no processo de responsabilização de ministros do STF.

O deputado Zucco abriu sua fala fazendo referência à frase atribuída a Luiz XIV, “o Estado sou eu”, afirmando que a expressão já não pertence apenas à monarquia absolutista, mas que “pode muito bem ser dita hoje por um ministro do Supremo”. Segundo ele, a decisão de Gilmar Mendes representa uma ruptura com os fundamentos do Estado Democrático de Direito, ao retirar do cidadão comum o direito de denunciar eventuais crimes de responsabilidade cometidos por magistrados da mais alta Corte do país.

Zucco afirmou que o Supremo vem, progressivamente, ampliando sua atuação para além do papel constitucional de julgar, assumindo funções legislativas e administrativas que caberiam ao Congresso Nacional. Citou como exemplos decisões envolvendo temas como o IOF e a diferenciação entre usuário e traficante no consumo de drogas. Para o parlamentar, a decisão monocrática “sacramenta a concentração de poder em um único órgão, algo nunca visto na democracia brasileira”.

Zucco também declarou que a medida retira das mãos do povo o direito de fiscalizar autoridades e classificou a decisão como um passo rumo ao que chamou de “ditadura judicial”. Ele também defendeu que o Congresso paute, com urgência, projetos que limitam decisões monocráticas e propôs a criação de mandato fixo para ministros do STF.

Ao lado de outros deputados da oposição, Zucco apresentou uma Proposta de Emenda à Constituição que, segundo ele, busca “restabelecer a segurança jurídica do processo de impeachment” e garantir que a competência permaneça exclusivamente com o Senado Federal. A proposta prevê quatro mudanças principais:

  • Garantia constitucional da legitimidade ativa popular, permitindo que qualquer cidadão volte a poder denunciar ministros do STF por crime de responsabilidade
  • Definição expressa de que cabe exclusivamente ao Senado instaurar e julgar processos contra ministros do Supremo, sem interferência da Procuradoria-Geral da República
  • Estabelecimento de regra especial de recebimento automático da denúncia caso ela seja assinada por ao menos três quintos dos senadores
  • Proibição total de interferência judicial no rito do impeachment, garantindo ao Judiciário apenas o dever de assegurar o direito de defesa do acusado

Em sua fala de encerramento, Zucco afirmou que, se o Congresso não reagir, “o mais digno será entregar as chaves e fechar a Casa do Povo”.

O senador Rogério Marinho reforçou o discurso de que há um desequilíbrio claro entre os Poderes. Para ele, a decisão ocorre em um momento estratégico, em meio ao debate sobre mudanças no cenário político a partir de 2027, quando uma eventual maioria no Senado poderia exigir maior responsabilidade de ministros do Supremo.

Marinho relembrou que crimes de responsabilidade previstos em lei incluem suspeição, atuação político-partidária e conduta incompatível com o decoro do cargo. Citou, ainda, episódios em que ministros teriam extrapolado suas funções, mencionando declarações públicas e o prolongamento de inquéritos sem prazo definido, como o que investiga atos antidemocráticos.

O senador criticou a ideia de que ministros do STF não possam ser submetidos ao mesmo grau de escrutínio que parlamentares. “Deputados e senadores são julgados cotidianamente pela sociedade e pela imprensa. Mas, no caso do Supremo, cria-se uma cúpula inalcançável, acima da lei e sem qualquer tipo de controle efetivo”, afirmou.

Já o deputado Gustavo Gayer levou à coletiva dados de pesquisas de opinião para sustentar o argumento de que há um crescente temor da população em relação ao Judiciário. Segundo ele, levantamentos recentes apontam que mais de 60% dos brasileiros têm medo de expressar suas opiniões nas redes sociais, e que uma parcela significativa vê o Judiciário como uma ameaça à democracia.

Gayer afirmou que a esperança de parte da população estava depositada nas eleições de 2026, com a expectativa de eleger um Senado mais disposto a analisar pedidos de impeachment de ministros. Ele afirmou que a decisão de Gilmar Mendes seria uma reação direta a esse cenário, chamando o ato de “aberração autoritária” e “golpe contra o direito do povo”. Ele comparou a medida a práticas de regimes autoritários e criticou o fato de, segundo ele, a admissibilidade de um pedido de impeachment ter sido concentrada em uma única figura com vínculos anteriores com o próprio ministro.

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Contexto da decisão

A decisão monocrática do ministro Gilmar Mendes foi proferida no âmbito de ações de descumprimento de preceito fundamental (ADPFs) apresentadas pelo Solidariedade e pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB). Na análise, o ministro considerou que diversos dispositivos da Lei do Impeachment, em vigor desde 1950, não foram recepcionados pela Constituição de 1988.

Entre os pontos atingidos pela decisão está a possibilidade de qualquer cidadão apresentar pedido de impeachment contra ministros do STF. Com a nova interpretação, apenas o procurador-geral da República teria legitimidade para apresentar esse tipo de denúncia.

Gilmar Mendes também elevou o quórum mínimo para que o Senado possa abrir um processo de impeachment contra ministros do Supremo: de maioria simples dos presentes para dois terços dos senadores, o equivalente a 54 votos. Além disso, a decisão exclui a possibilidade de que o mérito de decisões judiciais seja interpretado como conduta típica para caracterização de crime de responsabilidade.

Em sua fundamentação, o ministro reconheceu que o impeachment é um instrumento importante no equilíbrio entre os Poderes, mas argumentou que ele não pode ser utilizado como instrumento de intimidação, sob risco de gerar insegurança jurídica e pressionar magistrados a atuar de forma parcial ou condicionada a interesses políticos.

Aline Pessanha é jornalista, com Pós-graduação em Marketing e Comunicação Integrada pela FACHA - RJ. Possui passagem pelo Grupo Bandeirantes de Comunicação, como repórter de TV e de rádio, além de ter sido repórter na Inter TV, afiliada da Rede Globo.

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