Apesar de ainda conseguir articular manifestações, a esquerda perdeu as ruas para a direita, que vem acumulando atos em maior escala em todas as capitais, como se viu no último domingo, 7 de Setembro. Em Belo Horizonte, as manifestações em apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro tomaram a Praça da Liberdade e reuníram políticos de peso do campo, como o deputado Nikolas Ferreira (PL) e o deputado estadual Bruno Engler (PL), além de lideranças evangélicas e católicas.
Na Praça Raul Soares, por outro lado, os atos de esquerda, mesmo que não esvaziados, reuniram menos pessoas e emplacaram alguns nomes importantes, como o deputado federal Rogério Correia (PT) e o vereador Pedro Rousseff (PT). O mesmo se repetiu em São Paulo, onde o governador Romeu Zema (Novo) acompanhou as manifestações de apoio ao ex-presidente, e no Rio de Janeiro.
Cientistas políticos e lideranças históricas de esquerda ouvidas pela Itatiaia apontam que o campo ideológico perdeu capacidade de mobilização nos últimos dez anos, em especial a partir do impeachment de Dilma Rousseff (PT), e que a direita está mais motivada, na esteira da condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no Supremo Tribunal Federal (STF), a ir às ruas.
O cientista político e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Camilo Aggio pontua que há três fatores principais que levaram a esquerda a perder a rua. O primeiro é a hegemonia do PT no comando do governo federal, que acumula, fora os mandatos de Jair Bolsonaro e Michel Temer (MDB), 14 anos no poder entre as gestões de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Dilma Rousseff.
“Mesmo com o impeachment, temos 14 anos de gestão, e há uma hegemonia muito longa (da esquerda no poder). É um governo contra o qual não se pode protestar. A direita tem mais razões claras, materiais, para ir às ruas e pedir mudança”, destaca. Ele observa ainda que os fatos políticos recentes, especialmente a ação contra Jair Bolsonaro no Supremo, cria engajamento na militância.
“Temos uma condenação contra a maior liderança da direita e da extrema-direita no país, que tem sequestrado a pauta do debate brasileiro de maneira bastante significativa. A direita hoje tem mais lenha para colocar no forno da militância do que a esquerda”, argumenta.
Outro ponto, segundo Aggio, é a falta de unidade na pauta de esquerda. “Além disso, percebo que a esquerda, além de estar acomodada, padece de uma falta de agenda comum. É cada vez mais fragmentada e está feliz em conseguir cotas para minorias políticas na universidade. Mal se fala de classe. A esquerda hoje é um arquipélago, um conjunto de ilhas que carece dessa falta de união”, acrescenta o professor.
Carlos Ranulfo, professor de ciência política da UFMG, também analisa que a direita está mais engajada e motivada a ir para a rua, e que a esquerda tem perdido espaço nesse campo há, pelo menos, dez anos. “Eu diria que desde o impeachment da Dilma a esquerda não é capaz mais de colocar grandes multidões na rua. Ela já foi capaz de fazer isso, não é mais. Ela passou o governo Temer sem fazer manifestações de rua. No próprio governo Bolsonaro, não houve grandes manifestações de rua contra e agora nós repetimos isso. A direita continua com muito mais capacidade de mobilização do que a esquerda”, defende.
Os motivos, segundo o pesquisador, são vários, mas dois deles são centrais: a capacidade de articulação da direita nas redes sociais, que se descola do poderio da esquerda no mesmo campo de batalha, e o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro. “A direita está vendo sua principal liderança nas vias de ir para a cadeia”, defende.
O deputado federal Patrus Ananias, liderança histórica da esquerda em Minas Gerais, pondera que a direita também vem registrando números menores nas mobilizações nos últimos cinco anos, e avalia que, diferente da esquerda, há “financiamento” e apoio dos poderes econômicos quando se pensa no campo político rival.
Contudo, o parlamentar concorda que houve uma retração da esquerda, principalmente em relação aos movimentos sociais e a mobilização sindical. “Primeiro tivemos as ‘deformas’ trabalhistas no governo Temer com desmonte dos direitos trabalhistas, essas mudanças negativas que ocorreram na legislação do trabalho deram um enfraquecimento grande nos movimentos trabalhistas e nos sindicatos”, pontua.
“Também considero que temos um grande desafio de retomar nosso diálogo com a juventude, seja operários, universitários, secundaristas. Considero também que tivemos também uma perda importante na tradição cristã, especialmente na tradição católica. Marcaram a minha formação, encontrei uma igreja muito presente nas pastorais de base, pastoral da juventude. Estamos enfrentando no Brasil um processo de direitização de setores da igreja. Nós estamos trabalhando com os nossos valores, com o nosso empenho, com a nossa história, com nossos compromissos”, conclui Patrus.