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Primeiro estado a aprovar lei de combate à violência política, Minas sofreu com ameaças a deputadas em 2023

Reportagem ouviu parlamentares mulheres sobre ambiente hostil na política e elas temem que ataques desestimulem outras mulheres a serem candidatas em 2024

Deputadas da ALMG foram alvo de ameaça em 2023

Minas Gerais foi o 1º estado brasileiro a aprovar uma lei de combate a violência política contra mulheres. A lei, aprovada em 2023, é de autoria das deputadas Ana Paula Siqueira (Rede), Leninha (PT), Andréia de Jesus (PT) e Beatriz Cerqueira (PT). As duas últimas fazem parte, ainda, de uma outra lista: a de deputadas que foram ameaçadas de morte e outros crimes durante este ano. Criminosos também ameaçaram ainda as parlamentares Bella Gonçalves (PSOL) e Lohana França (PV). Além das ameaças contra a vida das deputadas, algumas parlamentares também foram vítimas de ameaças de “estupro corretivo”.

Segundo especialistas, estupro corretivo é uma pratica criminosa utilizada por agressores que desejam controlar o comportamental sexual ou social da vítima. Uma das ameaças mais graves foi contra a deputada Lohanna França. Além da ameaça de abuso sexual, o agressor disse que daria um tiro na cabeça da parlamentar. Em um e-mail, o autor dos ataques disse que conhecia endereços e a rotina da deputada, da família e de sua equipe parlamentar.

Bella Gonçalves e Lohanna França conversaram coma Itatiaia sobre a importância da aprovação da legislação e disseram que é fundamental criar mecanismos para garantir que as mulheres não se afastem da política por medo de ameaças.

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"É super importante que a gente compreenda que não existe democracia sem mulheres. E a sub-representação de mulheres na política, sendo a gente a maior parte da sociedade, inclusive, é, hoje, um problema de déficit democrático. Nesse sentido, temos que garantir que haja mais mulheres na política. Hoje, um dos problemas que a gente tem é que mulheres não querem exercer seus mandatos por sofrerem violência política, ameaças como nós sofremos. Mas não é só sobre nós... quantas vereadoras de interior deixam de apresentar sua candidatura porque não querem viver um processo de violência?”, questiona a deputada do Psol.

Para Lohanna, as eleições municipais do ano que vem podem refletir o afastamento de mulheres da vida política por causa da hostilidade sofrida pelas parlamentares nesse ambiente nos últimos tempos.

“Ano que vem é um ano de eleição e a gente tem uma perspectiva muito séria de não afastar mulheres que querem ser candidatas pela violência e pelo medo. Elas podem virar e falar assim: ‘bom, se as deputadas estão sofrendo tanta ameaça e ninguém prende ninguém, imagina para uma vereadora de cidade pequena?’ A gente precisa garantir que essas mulheres não sejam afastadas do processo eleitoral por medo de sofrer o que nós sofremos”, defende.

Beatriz Cerqueira ressaltou que o Legislativo mineiro deu uma resposta rápida e firme em repúdio às ameaças, mas relembra que o estado de Minas Gerais lidera o ranking de violência política de gênero.

“Eu acho que é uma reposta importante, porque ela aconteceu depois de três deputadas estaduais sofrerem ameaça de morte, de estupro e de tortura. Como é que o Parlamento não reage a isso? Hoje Minas Gerais lidera o ranking de violência política contra as mulheres. E esse é um recado péssimo, porque a gente tem que ocupar a política, somos a maioria da população e como a maioria da população vai sendo expulsa do lugar que decide a vida dela?”, pergunta a parlamentar.

Ameaças foram frequentes em 2023

No final de agosto, ameaças contra deputadas, como Bella, Lohanna e Beatriz, bem como contra outras parlamentares, foram registradas em diferentes pontos do país. Na ocasião, a Itatiaia mapeou que, em um período de apenas nove dias, foram registradas ameaças de “estupro corretivo” contra sete mulheres com cargos políticos. Minas Gerais foi o estado com mais registros deste tipo - quatro no total.

Ameaças de “estupro corretivo” foram disparadas para tentar intimidar as três deputadas citadas. Esses casos já viraram inquérito e estão sendo investigados pela Polícia Civil. A onda de ameaças não se limita a Minas Gerais.

Mensagens ameaçadoras e com teor semelhante foram enviadas para a deputada federal Daiana Santos (PCdoB-RS), e a deputada estadual de Pernambuco, Rosa Amorim (PT). A vereadora no Rio de Janeiro, Mônica Benício (PSOL), viúva de Marielle Franco, também foi alvo de ameaças.

Em todos os casos, os alvos são parlamentares de partidos de esquerda e defendem pautas consideradas progressistas. A deputada Beatriz Cerqueira afirma que isto não é uma coincidência.

“Somos escolhidas pelas pautas que nós fazemos. São pessoas que atentam contra a democracia. Porque, as pautas que nós desenvolvemos: mulheres na política, respeito à diversidade, inclusão, a luta de classes, são pautas que incomodam, de forma estrutural, alguns grupos e eles nos querem eliminadas, querem que essas pautas sejam eliminadas da sociedade”, analisa.

Ataques ocorrem dentro e fora do Parlamento

As parlamentares também chamaram atenção para um ponto específico: quando os ataques partem de dentro do Parlamento, em geral por homens, as ameaças aumentam, também, fora daquele ambiente.

“Eu acho que tem algumas pessoas, em especial parlamentares de extrema-direita, que tem feito a construção de um inimigo, enquanto mulher, de esquerda, LGBT, a sua razão de existir. Eles não propõem projetos de lei que vão pensar o problema das estradas, da fome, da miséria. Eles vivem de fake news e ataques contra parlamentares, em especial, mulheres parlamentares. Quando um deputado é agressivo, violento contra nós aqui na ALMG, ele solta um apito de cachorro...”, diz Bella Gonçalves.

Por causa de ameaças, deputadas citadas nesta reportagem estão sendo escoltadas pela Polícia Militar. A segurança individual foi concedida após avaliação de risco feita pela PM e autorizada pelo Governo de Minas. A Itatiaia apurou que as parlamentares também estão sendo acompanhadas eletronicamente, por meio do monitoramento das imagens de câmeras de segurança, pela Polícia Legislativa da Assembleia. Por questão de segurança, deputadas são monitoradas o tempo todo em que estão nas dependências do Legislativo estadual.

Polícia Civil investiga ameaças contra deputadas

A Polícia Civil de Minas Gerais também tem acompanhado os casos. Em outubro, a instituição prendeu um homem, de idade não revelada, suspeito de envolvimento em grupos e fóruns que ameaçavam as deputadas estaduais Lohanna França, Bella Gonçalves e Beatriz Cerqueira. Os endereços de casas ligadas ao suspeito foram alvos de mandados de busca e apreensão durante uma operação policial deflagrada em Pirapora, no Norte de Minas.

O homem foi ouvido por algumas horas e, depois, liberado. Apesar disso, ele está sendo monitorado pelas autoridades. Desde então, as forças de segurança estão trabalhando para identificar e localizar os demais participantes destes grupos virtuais criminosos.

Durante a operação, a Polícia Civil apreendeu celulares, computadores, HDs, pen drives e anotações, além de munições e equipamentos para fabricação de armas caseiras. Os materiais estão sendo analisados e podem apontar novos suspeitos e novas linhas de investigação.

Durante a apuração, policiais monitoraram fóruns e grupos na internet, de onde se originaram as ameaças. Nos grupos, identificou-se também a exposição indevida de dados sigilosos de diversas autoridades, incitação à violência, à pedofilia e à necrofilia, postagens de imagens de estupros, assassinatos e mutilações e muito conteúdo de abuso e a exploração sexual infantil.

Para não atrapalhar as investigações, o processo está sob sigilo judicial.

Os mandados foram cumpridos no âmbito da operação Di@na, que também contou com a participação do Grupo de Atuação Especial de Combate aos Crimes Cibernéticos (Gaeciber), do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), e da Polícia Militar. O nome da operação é uma referência à deusa Diana, da mitologia romana, protetora das mulheres e crianças. O @ faz alusão aos crimes cibernéticos investigados.

Governo Federal cria mecanismo para impedir violência política contra mulheres

Em outubro, o Governo Lula também lançou um Grupo de Trabalho Interministerial, coordenado pelo Ministério das Mulheres, com o objetivo de mobilizar os mais diversos setores da sociedade para o combate ao ódio e à discriminação e violência contra a mulher.

Na cerimônia de lançamento, foram assinados mais de 100 acordos de adesão à campanha, envolvendo empresas, governos estaduais, movimentos sociais, sindicatos, times de futebol, torcidas organizadas e entidades culturais, educacionais e religiosas.

Ações do Grupo de Trabalho do Ministério das Mulheres:

Coordenado pelo Ministério das Mulheres, o GTI foi oficializado pelo Decreto 11.485, sendo composto por representantes do Ministério dos Povos Indígenas, da Justiça e Segurança Pública, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos e da Cidadania.

O trabalho será feito a partir de diagnósticos sobre as situações de violência política contra a mulher em três ações:

  1. compilação de dados e de pesquisas nacionais e internacionais disponíveis;
  2. elaboração de estudos sobre as situações de violência política e mecanismos para o seu enfrentamento;
  3. mapeamento e consolidação de relatos e experiências de profissionais atuantes no sistema de justiça, Segurança Pública e nos serviços sócio-assistenciais e de mulheres que vivenciaram situações de violência política em suas diferentes formas e em diferentes espaços.
Repórter de política na Rádio Itatiaia. Começou no rádio comunitário aos 14 anos. Graduou-se em jornalismo pela PUC Minas. No rádio, teve passagens pela Alvorada FM, BandNews FM e CBN, no Grupo Globo. No Grupo Bandeirantes, ocupou vários cargos até chegar às funções de âncora e coordenador de redação na BandNews FM BH. Na televisão, participava diariamente da TV Band Minas e do BandNews TV. Vencedor de 8 prêmios de jornalismo. Já foi eleito pelo Portal dos Jornalistas um dos 50 profissionais mais premiados do Brasil.