A imagem de um hacker invadindo sistemas bancários ou redes sociais já faz parte do imaginário popular, mas uma ameaça tão ou mais perigosa cresce de forma silenciosa e tem como alvo o coração da economia: o chão de fábrica. A chamada Indústria 4.0, que
O alerta é de Paulo Henrique Mariano, especialista em Segurança Cibernética, Analista de Tecnologia e professor do Senai. Em entrevista à Itatiaia, ele detalha os riscos a que um ambiente industrial conectado está exposto e as consequências que podem ir muito além da paralisação da produção, envolvendo a segurança dos funcionários e a qualidade dos produtos.
O que é uma indústria conectada?
A
“Essa convergência tecnológica possibilita a criação de ambientes de produção ciberfísicos, caracterizados pela interconexão de ativos, visibilidade operacional em tempo real e sistemas de apoio à decisão impulsionados por inteligência artificial e outras tecnologias”, explica.
Essa mudança, apesar de trazer benefícios como otimização da produtividade e minimização de desperdícios, introduziu novos e graves riscos. “Desafios de segurança cibernética, antes restritos ao domínio da TI, agora afetam os ambientes de TO, os quais, em sua maioria, não foram concebidos para as ameaças cibernéticas modernas”, afirma o especialista.
Por que as fábricas viraram alvo de hackers?
Antigamente, os maiores riscos para uma indústria eram incêndios ou falhas mecânicas. Com a digitalização, as ameaças mudaram de natureza. Um ataque a uma usina nuclear iraniana, conhecido como Stuxnet, foi um ponto de virada ao provar que um software malicioso poderia causar danos físicos em larga escala, manipulando centrífugas até sua autodestruição. “Esse caso gerou uma preocupação no mundo, porque mostrou o potencial de algo antes restrito ao mundo virtual afetar o mundo físico de forma direta”, pontua Mariano.
As motivações para esses ataques são diversas:
- Lucro financeiro: Grupos criminosos especializados usam ransomware para “sequestrar” os sistemas de produção, criptografando dados e exigindo um resgate para liberar o acesso.
- Valor estratégico e geopolítico: Empresas de setores como energia, defesa e tecnologia de ponta são estratégicas para os países. Agências governamentais e militares de nações podem promover ataques para sabotar, roubar informações ou paralisar a produção industrial de um país inimigo.
- Protesto (Hacktivismo): Grupos com motivações políticas ou sociais podem atacar sistemas de empresas como forma de manifestação.
- Vulnerabilidade interna: A maior preocupação, segundo o especialista, vem de dentro. Funcionários ou ex-funcionários, movidos por insatisfação, corrupção ou negligência, podem facilitar ou realizar ataques, sendo de difícil detecção e alto impacto.
Quais as portas de entrada para os ataques?
As falhas de segurança que permitem a entrada de invasores em ambientes industriais são variadas, mas algumas se destacam pela frequência. Conforme Mariano, a principal vulnerabilidade ainda é o fator humano.
- Sistemas antigos (legados): Muitos equipamentos industriais operam por décadas sem atualização de software, tornando-se um elo fraco na segurança, especialmente quando possuem vulnerabilidades conhecidas.
- Senhas padrão ou fracas: É comum encontrar credenciais como “1234" ou “admin” em equipamentos críticos, um convite para invasores.
- Redes sem segmentação: Em muitas empresas, a rede do escritório (TI) não é separada da rede do chão de fábrica (TO). Assim, um e-mail de phishing que infecta um computador administrativo pode facilmente se espalhar para as máquinas que controlam a produção.
- Dispositivos USB e notebooks: Técnicos de manutenção que usam pen drives ou notebooks infectados para diagnosticar máquinas podem contaminar toda a rede industrial.
Qual o impacto real de um ataque cibernético industrial?
Um ataque bem-sucedido pode ter consequências devastadoras. O especialista destaca que, na segurança cibernética, os três pilares são confidencialidade, integridade e disponibilidade. Em ambientes industriais, a paralisação da produção é um alvo óbvio, pois afeta diretamente a disponibilidade das máquinas.
No entanto, a manipulação de dados pode ser ainda mais perigosa. “Se tivermos um comprometimento da integridade dos dados trafegados podemos ter então leituras erradas e em consequência comprometimento da produção, dano a equipamento, perda de produção e até o mais grave: acidentes humanos e do meio ambiente”, alerta Mariano.
Ele cita o ataque conhecido como Triton, que desabilitou controles de segurança em uma planta de petróleo e gás, quase causando um acidente que poderia ter levado à morte de dezenas de trabalhadores. Há também relatos crescentes de ataques a usinas de energia que deixam regiões inteiras sem eletricidade.
A indústria mineira está preparada?
O nível de maturidade em segurança digital varia muito no estado. Multinacionais, por serem alvos constantes, costumam estar mais preparadas. A Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (FIEMG) tem promovido iniciativas de conscientização e treinamento, como a parceria com o programa Guardião Cibernético do exército brasileiro.
“Porém, infelizmente por falta de conhecimento muitas empresas enxergam gastos em segurança cibernética como um custo e não como um investimento em prevenção que pode salvar sua cadeia produtiva, especialmente as pequenas e médias empresas que não se veem como um alvo, até que o incidente ocorre”, lamenta Mariano. A falta de mão de obra especializada em segurança industrial agrava o cenário.
Como proteger a indústria?
O especialista ressalta que o investimento em segurança não começa, necessariamente, com softwares caros, mas com conhecimento e processos bem definidos. Ele aponta três medidas iniciais de baixo custo e alto impacto:
- Conhecer e mapear o ambiente: É fundamental fazer um inventário completo de todos os ativos conectados na rede de produção, desde robôs a sensores. “Você precisa responder às perguntas: O que eu tenho? Onde está? Com o que ele se comunica?”, orienta.
- Estabelecer políticas de segurança: Trocar senhas padrão, exigir credenciais fortes, controlar o acesso remoto e restringir o uso de dispositivos removíveis são práticas essenciais. “Muitos ataques não usam falhas de software superavançadas; eles simplesmente entram pela ‘porta da frente’”, destaca.
- Segmentar as redes: Separar completamente a rede do escritório (TI) da rede do chão de fábrica (TO) com barreiras de segurança (firewalls) é uma das medidas mais eficazes, pois impede que uma ameaça em uma rede se espalhe para a outra.
Fator humano: o elo mais fraco da segurança
Mariano é enfático ao afirmar que as pessoas são o elo mais fraco da segurança cibernética, pois agem com base em emoções como confiança e curiosidade, sendo alvos de ataques de engenharia social. Um funcionário que clica em um link malicioso, abre um anexo suspeito ou usa um pen drive encontrado na rua pode abrir as portas para um invasor.
“Por isso é fundamental que as organizações criem campanhas educativas de conscientização de seus colaboradores a respeito do tema, fazendo essas campanhas constantemente”, finaliza.
Descubra como o SENAI prepara técnicos para proteger dados e sistemas industriais críticos.