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Por que a disputa judicial entre Twitter e Elon Musk é em Delaware?

Estado é conhecido por ter leis favoráveis e incentivos fiscais para empresas

Enquanto a sede do Twitter é em São Francisco, na Califórnia (EUA), e a residência de Elon Musk é em Boca Chica, no Texas, o local escolhido para a ação judicial entre eles foi Delaware. Musk quer deixar o acordo com a empresa, em que havia se comprometido a comprar a plataforma por US$ 44 bilhões. Já o Twitter pretende forçá-lo a manter a transação.

Delaware fica no leste dos EUA e é o segundo menor Estado do país. Por que, então, foi escolhido como sede desse confronto? Em 1899, Delaware mudou seus estatutos de direito empresarial para atrair mais empresas. Mais de 60% dos empreendimentos da lista Fortune 500 são incorporados em Delaware, motivados por leis favoráveis, incentivos fiscais e o tratamento dado pelos tribunais em disputas comerciais.

Para concluir a aquisição, o empresário criou a X Holdings. A ideia é que a controladora administre as empresas de Musk, como Tesla, Space X, The Boring Company e outras que ele venha a fundar ou adquirir. A X Holdings tem sede justamente em Delaware. Muitas fusões exigem que disputas legais sejam tratadas em Delaware.

O espaço em que a disputa vai ocorrer é o Tribunal de Chancelaria, um fórum de equidade, não de lei — o que significa que trata de casos que buscam alívio em vez de danos monetários. Lá, os juízes são chamados de chanceleres e têm muita experiência em casos corporativos. A primeira audiência está marcada para terça-feira (19) e deve durar 90 minutos.

É comum que eles emitam liminares que afetam os acordos e podem ordenar a execução específica de uma obrigação — como a conclusão de transações, como o Twitter quer. Com isso, não haveria a possibilidade de converter em perdas e danos. Em geral, as audiências ocorrem mais rapidamente do que outros tribunais. O Tribunal de Chancelaria não concede indenizações, mas pode determinar o pagamento de restituições.

Outros casos

Em julho de 2021, Musk esteve no Tribunal de Chancelaria de Delaware para se defender de uma ação de acionistas que o acusavam de fazer um acordo para que a Tesla comprasse a SolarCity por US$ 3 bilhões. O empresário era o maior acionista de ambas as empresas na época da aquisição e passou mais de um dia no banco de testemunhas. Nove meses depois, o chanceler decidiu a favor de Musk.

Na disputa atual, o chanceler vai avaliar o contrato de compra de 73 páginas e decidir se o argumento do empresário justifica sua decisão de desistir da transação. É provável que ele seja convidado a testemunhar para explicar seu raciocínio: o de que pretende deixar a negociação porque há mais robôs no Twitter do que a plataforma divulga.

Segundo Musk, o Twitter violou o acordo de compra ao não entregar adequadamente todas as informações sobre quantos robôs estão em sua base de clientes. Isso criaria um efeito material adverso (Material Adverse Effect – MAE), o que justificaria sua saída do acordo.

Especialistas dizem que o Tribunal de Chancelaria não costuma dar ganho a quem tenta se livrar de compromissos de aquisição. “Isso pode inviabilizar muitos negócios que já geraram efeitos para muitas pessoas”, aponta Patrícia Cabral Bittencourt, advogada com experiência no Brasil e nos EUA e sócia no Gaudêncio Advogados. É difícil provar a ocorrência de um MAE: para isso, o empresário teria de provar que os robôs podem levar a um desenvolvimento negativo “inesperado, fundamental e permanente” que torne a transação impraticável.

Em 2020, um chanceler definiu um MAE como uma “mudança adversa nos negócios do alvo que é consequente ao poder de lucro de longo prazo da empresa durante um período razoável, que se esperaria ser medido em anos em vez de meses”. Se Musk não provar o MAE, o Twitter pode pedir que ele seja obrigado a efetivar a compra da plataforma.

Vale ressaltar que, nos EUA, a partir do momento que um caso é julgado, a decisão ganha condição de lei. “Ninguém mais vai poder alegar o mesmo em outras situações, porque o tribunal já vai ter se manifestado sobre a falta de relevância daquele aspecto”, explica Patrícia. “Por isso, nem sempre a Justiça é buscada dessa forma.”

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