Automação industrial: a armadilha de investir em tecnologia antes de otimizar

Devanir Caetano Marques Filho, analista do Senai, detalha por que PMEs industriais perdem competitividade ao manter gestão (ERPs) e operação (OT) desconectados; segundo ele, o maior obstáculo para a automação industrial não é técnico, mas a falta de confiança entre equipes.

Para consolidar a integração, o verdadeiro ponto de partida não é técnico, mas humano

Em muitas pequenas e médias indústrias (PMEs) brasileiras, existe um muro invisível que separa o escritório do galpão. De um lado, a equipe de Tecnologia da Informação (TI), focada na segurança dos dados corporativos e nos sistemas de gestão. Do outro, a Tecnologia da Operação (OT), o “chão de fábrica”, que tem uma única prioridade: a disponibilidade de máquinas que, por definição, não podem parar.

Manter esses dois mundos operando separados, sem comunicação, gera um “custo invisível” que, dia após dia, mina a competitividade do negócio. O principal risco competitivo, segundo especialistas, não é apenas financeiro; é o tempo de reação.

“Sem dados em tempo real da produção, as decisões estratégicas, táticas e operacionais são tomadas com base em relatórios atrasados, planilhas desatualizadas ou no famoso ‘achismo’”, disse à Itatiaia Devanir Caetano Marques Filho, engenheiro de Controle e Automação, especialista em Smart Factory e analista de tecnologia do Senai. “O resultado é simples: reação lenta, paradas inesperadas e oportunidades perdidas”.

O ‘custo invisível’ da desconexão

Quando o chão de fábrica não conversa com a gestão, o planejamento da empresa opera no escuro. Devanir explica que, se o sistema central de gestão da empresa, conhecido como ERP (Enterprise Resource Planning), não “enxerga” o que realmente foi produzido na linha, o planejamento de materiais falha.

“Isso gera atrasos, falta de insumos críticos ou estoques superdimensionados”. Esse excesso de estoque, aponta o especialista, é “um desperdício clássico na filosofia Lean”, uma metodologia de gestão focada obsessivamente em eliminar tudo o que não adiciona valor ao produto final.

Essa falta de sincronia também derruba o OEE (Overall Equipment Effectiveness), o principal indicador global que mede a eficiência de um equipamento industrial.

O obstáculo cultural é o mais crítico

Para o industrial que decide modernizar e integrar essas duas áreas, o maior desafio raramente é a tecnologia. Devanir Filho é categórico ao afirmar que, embora os sistemas antigos e a cibersegurança sejam obstáculos reais, o fator cultural costuma ser o mais crítico.

“Se o problema fosse apenas técnico, engenheiros e integradores resolveriam”, argumenta. “Mas o desafio real está nas pessoas e na falta de alinhamento de propósito”. Historicamente, explica o analista do Senai, as prioridades desses mundos são opostas.

“TI prioriza segurança, patches [atualizações] e sistemas corporativos. OT prioriza disponibilidade, tempo de atividade e sistemas legados que não podem parar” . Essa diferença, somada à “falta de comunicação e confiança, cria a maior barreira”.

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O risco dos ‘sistemas legados’

O obstáculo técnico, embora secundário, é complexo. Muitas máquinas operam com “sistemas legados” — equipamentos e softwares antigos, projetados para funcionar isolados. Isso inclui os PLCs (Programmable Logic Controllers, ou Controladores Lógico Programáveis), que são os “cérebros” das máquinas, muitos deles operando há décadas sem nunca terem sido conectados à internet.

“Ao conectá-los ao mundo TI/Internet, a superfície de ataque cresce exponencialmente”, alerta Devanir. Os sistemas de operação industrial nunca foram projetados para enfrentar ataques modernos. “Um ransomware que atinge o ERP pode, de forma indireta, paralisar máquinas, o pesadelo de qualquer indústria”.

Como começar? Otimizar antes de conectar

Questionado sobre o primeiro passo prático para a integração, Devanir surpreende: o passo inicial não envolve tecnologia, mas sim processo. “Antes de integrar TI/OT, o industrial deve otimizar processos e eliminar desperdícios”.

No Senai, explica, a jornada de transformação digital segue etapas claras: “Otimização (Lean), Sensoriamento/Conectividade e Visibilidade/Transparência”. A otimização Lean, por si só, “já gera os primeiros ganhos reais: redução de custos, agilidade e aumento de valor agregado”.

O ganho mais rápido

Somente após “enxugar” os processos, o industrial deve partir para a captura de dados das máquinas críticas. O caminho mais simples, segundo Devanir, envolve usar “sensores de baixo custo ou IIoT” (a Internet das Coisas Industrial) para monitorar o básico: status da máquina (Ligada/Parada), contagem de peças e o motivo da parada.

Esses dados podem ser enviados para um “painel MES simples” (Manufacturing Execution System), um software que monitora e rastreia a produção em tempo real. O ganho financeiro mais rápido, segundo o especialista, é a redução de paradas não planejadas.

“Ao saber imediatamente que ‘a máquina X parou às 14h05 por falta de material’, a reação é instantânea, eliminando a cadeia de atrasos causada por registros manuais e comunicação tardia”.

Comece quebrando o gelo, não comprando software

Devanir, no entanto, faz um alerta final: empresas que investem em tecnologia sem planejamento estratégico “geralmente enxergam primeiro os ruídos e desperdícios do processo” e, quando descobrem isso depois do investimento, “o custo de correção costuma ser alto”.

Para consolidar a integração, o verdadeiro ponto de partida não é técnico, mas humano.
“O primeiro passo é criar uma estrutura de governança e comunicação conjunta entre TI e OT, com um objetivo claro e compartilhado”, afirma. Ele sugere nomear um líder ou um comitê que tenha autoridade e atue como “o tradutor cultural entre os mundos”.

“O time de TI precisa entender o impacto de uma alteração (patch) no chão de fábrica (OT), e o time de OT precisa entender a criticidade de um ataque cibernético (TI). O ponto de partida não é a tecnologia, é a criação de um time de TI/OT e Cibersegurança híbrido”, conclui Devanir. “Não comece comprando software ou conectando cabos; comece quebrando o gelo e alinhando prioridades”.

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Amanda Alves é graduada, especialista e mestre em artes visuais pela UEMG e atua como consultora na área. Atualmente, cursa Jornalismo e escreve sobre Cultura e Indústria no portal da Itatiaia. Apaixonada por cultura pop, fotografia e cinema, Amanda é mãe do Joaquim.

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