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Dia Internacional da Mulher: Reflexão, Conquistas e Desafios

Vejo essa data como um momento de reconhecimento, tanto das conquistas alcançadas quanto dos desafios que persistem

No último sábado, 8 de março, foi celebrado o Dia Internacional da Mulher, uma data que simboliza a luta feminina por igualdade de direitos, melhores condições de trabalho e reconhecimento na sociedade. A origem da comemoração remonta ao final do século XIX e início do século XX, período marcado por intensas mobilizações feministas ao redor do mundo.

Um dos episódios mais marcantes ocorreu em Nova York, em 1908, quando operárias têxteis entraram em greve exigindo condições dignas de trabalho. Outro evento trágico e significativo foi o incêndio na fábrica Triangle Shirtwaist, em 1911, que vitimou 146 trabalhadores, a maioria mulheres imigrantes, expostas a condições degradantes. Além disso, em 8 de março de 1917, operárias russas realizaram protestos contra a exploração e precarização do trabalho feminino, em um contexto de guerra e crise social. A data foi oficializada pela ONU em 1975, consolidando-se como um símbolo global da luta das mulheres por equidade.

No Brasil, a trajetória da luta feminina conquistou marcos importantes ao longo dos anos: o direito ao voto, pela Constituição de 1946; o Estatuto da Mulher Casada que, em 1962, deferiu que a mulher não precisava mais da autorização do marido para trabalhar, receber herança, comprar ou vender imóveis, assinar documentos e até viajar; a atual Constituição, de 1988, estabeleceu que é proibida a diferença de salários, de exercício de funções e de critérios de admissão. Em 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente, estabeleceu igualdade de condições do pai e mãe no exercício do poder familiar; a falta de virgindade da mulher deixou de ser motivo para anular o casamento e o termo “mulher honesta” foi retirado do Código Penal, em 2002 e 2005, respectivamente.

Na sequência, em 2006, foi promulgada a Lei Maria da Penha. Em 2015, a Lei do Feminicídio torna hediondo o homicídio de mulheres decorrente de violência doméstica ou discriminação de gênero que, em 2024, passou a ser punido com até 40 anos de prisão. Também em 2015, foi dado direito às mães de registrar seus filhos em cartório sem a presença do pai. Já em 2018, por força dos movimentos sociais, que tinham como slogan a frase “Não é Não”, foi criminalizada a importunação sexual; em 2019, a prioridade de divórcio para vítimas de violência doméstica e, em 2021, a tipificação do crime de violência psicológica contra a mulher, violência silenciosa que, apesar de não deixar hematomas, deixa profundas marcas e criam um ambiente de medo e baixa autoestima para as suas vítimas.

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Apesar dos avanços, ainda vivemos os reflexos de uma sociedade machista que subjuga a figura feminina. O Brasil enfrenta altos índices de feminicídio e violência doméstica, mesmo com leis rigorosas. Além disso, a desigualdade de gênero se manifesta na baixa participação feminina em cargos de liderança e na política, na diferença salarial e na dupla jornada, já que a mulher, mesmo inserida no mercado de trabalho, continua sendo vista como a principal responsável pelos afazeres domésticos.

Um dos maiores desafios atuais é combater a cultura da desqualificação feminina, que se reflete em expressões pejorativas e atitudes que minimizam suas experiências e reivindicações. Frases como “deve estar de TPM”, “mulher só sabe pilotar fogão” ou “mimimi” quando se discute igualdade de gênero reforçam estereótipos e perpetuam uma lógica de silenciamento e descrédito.

Diante desse contexto, por algum tempo, eu dizia que 8 de março não era um dia de comemoração, mas de luta. Hoje, vejo essa data como um momento de reconhecimento, tanto das conquistas alcançadas quanto dos desafios que persistem. Gostaria de não precisar lutar, mas a realidade me mostra diariamente o contrário. Que possamos celebrar, reconhecer e transformar.

Além de parabenizar, gostaria de fazer os meus votos mencionando, como inspiração, Simone de Beauvoir:

“Que nada nos limite. Que nada nos defina. Que nada nos sujeite. Que a liberdade seja a nossa própria substância.”
Simone de Beauvoir

Feliz Dia da Mulher – ainda que atrasado.

Clarissa Nepomuceno é advogada e sócia do escritório Nepomuceno Soares Advogados. Palestrante e professora universitária, defende que a independência financeira e a construção da carreira são fundamentais na ruptura dos ciclos de violência e para o alcance do ODS 5 – Equidade de Gênero.
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