Quando se pensa na Independência do Brasil, a imagem mais recorrente ainda é a de Dom Pedro às margens do Rio Ipiranga, proclamando “Independência ou morte”. O que a memória coletiva deixa desapercebido é o fato de que, dias antes desse gesto, uma mulher já havia pavimentado o caminho da separação do Brasil de Portugal: o nome dela é Maria Leopoldina Josefa Carolina de Habsburgo-Lorena – ou, simplesmente, Dona Leopoldina – a primeira imperatriz do Brasil.
Leopoldina nasceu arquiduquesa da Áustria, em uma das famílias mais poderosas da Europa. Desde jovem, estudava ciências naturais, política e história. Sobrinha de Maria Antonieta – que perdeu a cabeça nas guilhotinas francesas, Maria Leopoldina sabia muito bem a importância de estar à frente das demandas da sociedade. Mas o seu destino não era ser cientista ou governante: era ser esposa. Quando se casou com Dom Pedro de Alcântara, veio para o Brasil com apenas 20 anos, como tantas mulheres que, ao longo da história, foram colocadas no papel de “coadjuvantes”.
O imaginário da história brasileira a coloca como a parte mais frágil do triângulo amoroso da história do Brasil: seu marido, Dom Pedro I, era notório por seus casos extraconjungais. Enquanto assumia responsabilidades de Estado, suas cartas e relatos históricos mostram que sofreu intensa violência psicológica por parte do marido. Além disso, a Imperatriz sofreu em silêncio a humilhação advinha do conhecimento público de um dos relacionamentos do marido que se transformaria em escândalo: a ligação com Domitila de Castro, a futura marquesa de Santos.
Mas o que ninguém imaginava é que essa jovem austríaca se tornaria uma estrategista política fundamental no processo de Independência.
Em 1822, o país estava em ebulição. Portugal queria recolonizar o Brasil, e Dom Pedro viajava constantemente para tentar conter revoltas. Quem ficava no Rio de Janeiro, governando como regente interina, era Dona Leopoldina. E foi ali que ela mostrou sua força.
No dia 2 de setembro de 1822, Leopoldina presidiu o Conselho de Estado e assinou a decisão favorável à emancipação. Sua postura firme diante das pressões de Lisboa foi decisiva para que o Brasil desse um passo irreversível rumo à soberania. Em outras palavras: sem a sua determinação, o célebre “grito” talvez não tivesse acontecido naquele momento.
A história de Dona Leopoldina nos mostra que, muitas vezes, o protagonismo feminino convive lado a lado com dores invisíveis. Ela foi uma líder estratégica em público, mas também uma mulher que sofreu em privado. O contraste entre sua grandeza e sua fragilidade nos lembra que poder e sofrimento podem caminhar juntos — e que, em meio às contradições, são as mulheres que sustentam as estruturas do mundo.
Esse protagonismo, tantas vezes invisibilizado pela história oficial, ressoa de forma poderosa no presente. Em um mercado de trabalho ainda marcado por desigualdades de gênero, a trajetória de Dona Leopoldina oferece lições valiosas sobre liderança feminina.
Ela mostrou que ocupar espaços de decisão exige preparo e coragem. Assumiu responsabilidades políticas em um contexto hostil, em que a expectativa era a de que permanecesse à sombra do marido. Foi estrategista, articuladora e, sobretudo, convicta de seus valores. Características que, dois séculos depois, continuam sendo essenciais para mulheres que buscam voz ativa em conselhos, diretorias e posições executivas.
Sua biografia também revela a força que nasce da adversidade. Mesmo diante de humilhações pessoais e isolamento, manteve o foco no que realmente importava: o futuro do Brasil. Quantas profissionais, hoje, não enfrentam ambientes de trabalho desafiadores, onde precisam transformar obstáculos em combustível para se afirmar?
O maior legado de Dona Leopoldina talvez seja este: nem sempre o protagonismo vem acompanhado do reconhecimento imediato. Ainda assim, a consistência e a autenticidade permanecem. Liderança não é estar na linha de frente gritando mais alto. Liderança é ter visão, coragem e clareza de propósito, mesmo que os louros não sejam colhidos instantaneamente. E é justamente isso que constrói legados.
Assim como Leopoldina, muitas vezes somos chamadas a liderar em meio ao caos, a transformar desafios pessoais em força e a provar, todos os dias, que pertencemos aos espaços de decisão. Dona Leopoldina nos lembra que protagonismo feminino não é moda, não é concessão. É força histórica. É legado.
Então, quando olharmos para a Independência do Brasil, não pensemos apenas em Dom Pedro no cavalo às margens do Ipiranga. Lembremos de Dona Leopoldina, sentada à mesa do Conselho de Estado, assinando com firmeza o destino de um país.
Em um mundo no qual presença feminina em cargos de liderança cresce, mas ainda enfrenta barreiras estruturais, as vozes femininas ainda lutam por reconhecimento e igualdade. Assim, o legado de Dona Leopoldina serve como uma convocação para que mulheres sigam assumindo seu espaço, com visão estratégica, coragem e autenticidade. Afinal, como mostrou a imperatriz, não há emancipação — de um país ou de uma carreira — sem protagonismo feminino.
A sua vida é um testemunho de que as mulheres são agentes de mudança significativos em suas sociedades. Liderança feminina não é coadjuvante, é protagonismo que transforma realidades.