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Os guardiões silenciosos da Praça da Liberdade

Basta um passeio atento pelo lugar para perceber que ele é muito mais que um cartão-postal de Belo Horizonte

Os guardiões silenciosos da Praça da Liberdade

Basta um passeio atento pela Praça da Liberdade para perceber que ela é muito mais que um cartão-postal de Belo Horizonte. Ali, entre palmeiras imperiais, jardins geométricos e espelhos d’água, repousa um acervo escultórico que conta, em bronze e mármore, a trajetória de ideias e figuras que moldaram a capital mineira.

A mais antiga entre essas obras é a Fonte das Três Graças, instalada por volta de 1904. Esculpida por Manoel Martins, ela retrata as Cáritas da mitologia grega, filhas de Zeus com a deusa Eurínome. Aglaia, Eufrosina e Tália representam, respectivamente, a beleza, a felicidade e a prosperidade. Unidas de mãos dadas, elas simbolizam a leveza e a harmonia que se desejava imprimir à nova capital.

Poucos anos depois, surge a discreta escultura da moça do espelho d’água, uma jovem em atitude contemplativa, à beira do lago. De autoria desconhecida, está ali há mais de um século, como testemunha muda do tempo que passa e da cidade que se transforma.

O primeiro busto a ocupar a praça foi instalado em 1914: Bernardo Guimarães, autor do clássico abolicionista A Escrava Isaura. Esculpido por Rodolfo Bernardelli, o monumento foi a forma encontrada pela jovem Belo Horizonte de prestar tributo à literatura e à identidade cultural mineira.

Em 1923, a cidade homenageou um nome fundamental para sua vida cívica: José Maria Teixeira de Azevedo Júnior. Jornalista, educador e patrono da cadeira 5 da Academia Mineira de Letras, ele fundou jornais, enfrentou o poder e escreveu com coragem quando a imprensa era quase toda submissão. O busto, uma herma em bronze de autoria de Antonino Pinto de Mattos, foi instalado com uma placa simples e contundente: “Ao jornalista Azevedo Júnior, o povo mineiro.” Décadas depois, a placa desapareceu. E com ela, quase desapareceu também a memória pública de quem ele foi.

Já em 1927, mesmo numa República consolidada, a cidade homenageou o último imperador do Brasil. O busto de Dom Pedro II, esculpido por Antônio Pinto de Matos, é uma reverência ao seu compromisso com a ciência, a cultura e a educação, reconhecido mesmo por quem o sucedeu.

Em 1957, ano em que Belo Horizonte completou seis décadas, foi a vez de Crispim Jacques Bias Fortes, o governador que assinou o decreto de fundação da capital. No ano seguinte, Júlio Bueno Brandão, ex-governador, senador e vice-presidente da República, também foi imortalizado em bronze, em escultura de João Scuotto, por sua atuação em favor da educação pública e da organização administrativa de Minas.

Já nos anos 1990, a praça ganhou um símbolo contemporâneo: a escultura da Liberdade, de Ricardo Carvão Levy, o mesmo artista das obras na Praça do Papa. Com braços erguidos e tocha nas mãos, ela representa o espírito da praça e a vocação libertária de Minas Gerais.

As esculturas da Praça da Liberdade não estão ali por acaso. Elas compõem um verdadeiro museu a céu aberto, onde cada figura carrega uma história, uma escolha simbólica, um gesto de lembrança. Algumas têm placas bem cuidadas. Outras, como a de Azevedo Júnior, perderam o nome. E é aí que começa o apagamento.

Cuidar dessas estátuas é cuidar da memória da cidade. Porque quem não reconhece seus nomes, termina por esquecer o próprio.

Gabriel Sousa Marques de Azevedo é advogado, empresário, jornalista, professor, publicitário, pós-graduado em competitividade global pela Georgetown University e Mestre em Cidades pela London School Of Economics.

A opinião deste artigo é do articulista e não reflete, necessariamente, a posição da Itatiaia.