Quem lê minha coluna já deve estar acostumado com as memórias da minha infância que sempre aparecem quando penso em escrever algo. Hoje, não será diferente: ao pensar em falar sobre a importância de ler a palavra e ler o mundo para entendermos tudo que está à nossa volta e nós mesmos, lembro da minha professora de literatura do Ensino Médio, Elenice. Em suas aulas, ela sempre destacava que ler e escrever, incluíam a “leitura de mundo”. Essa ideia, que também é de Paulo Freire, era escrita no quadro da professora sempre que nos apresentava textos de autores como José de Alencar, Machado de Assis, Euclides da Cunha e tantos outros que em suas histórias apresentavam personagens, seus sentimentos, cidades… Havia mais do que histórias literárias em suas aulas. Ali conhecíamos um Brasil que é importante para todos os adolescentes do Ensino Médio. Como estudante, eu sempre gostei de ler, e tenho certeza que isso vinha da minha vontade em descobrir como aquelas histórias acabariam. O que aconteceria na vida daquelas personagens era tão importante quanto descobrir se minha mãe me deixaria ir ao show do Legião Urbana. Porém, fico me questionando porque isso não é assim para todas as crianças.
É triste pensar que crianças e jovens percam o interesse na leitura mesmo estando na escola. Uma pesquisa do Instituto Pró-Livro* mostra que 81% da população brasileira usa o tempo livre para internet, os outros 20% dizem aproveitar esses momentos para ler. A pesquisa apresenta um cenário preocupante, pois somado aos dados de aumento de tempo das pessoas na Internet, pela primeira vez desde 2007, quando se deu início à série histórica, o Brasil tem mais não leitores (53%) do que leitores (47%) ou seja, a maioria dos brasileiros, segundo a publicação, não leem livro algum, nem impresso, nem digital.
Por que isso acontece? Por que ler deixou de andar junto com aprender e compreender o mundo, como já me perguntava no dia da literatura
Recentemente, um pai me perguntou algo parecido: como faço para que meus filhos não percam o desejo de aprender? O que respondi a ele é o mesmo que eu escrevo para vocês: cuidado para não matarem a curiosidade dos seus filhos. Demonstrem interesse pela alegria que eles sentem ao ler as palavras e o mundo. Descobrir como se escreve depois de ouvir muitas histórias contadas pelos pais, em meio a risadas e carinhos, é algo muito mais encantador do que decorar alfabetos e palavras em uma cartilha escolar. Da mesma forma, será tão interessante ler o mundo, as notícias, se atualizar com jornais e revistas, se ao longo da vida as perguntas para entender como as coisas funcionam, sempre encontrarem a atenção afetuosa dos pais, mesmo que eles estejam ocupados com o trabalho ou tarefas domésticas. Dar importância aos questionamentos das crianças é um primeiro passo para que elas nunca percam a curiosidade. Seja pelo mundo das palavras, que encontramos na escola e também fora dela; seja pelo mundo em si, onde encontramos problemas reais.
Mesmo quando não temos respostas mágicas para todos os problemas, certamente pessoas curiosas, que tem interesse em aprender sobre como funcionam carros elétricos ou a inteligência artificial, buscarão por suas respostas e para tanto, encontrarão os portais de notícias, textos científicos e também, livros. O interesse pela ciência, pela história, pelas vidas de inventores, das grandes conquistas humanas é interesse pela vida e isso precisa ser cuidado pelos adultos, dentro e fora das escolas. Isso também é educar.
*O livro ‘Retratos da Leitura no Brasil’ está na sua 6ª edição. Saiba mais em:
Alcielle é diretora de educação do Instituto iungo, organização sem fins lucrativos que tem o propósito de transformar, com os professores, a educação no Brasil. É doutora em Psicologia da Educação e mestre em Educação: Formação de Formadores.
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