Há 49 anos, o Brasil perdia seu maior estadista. A morte na Via Dutra, em 22 de agosto de 1976, tirou de cena o símbolo mais nítido de ambição e patriotismo que já tivemos. O homem se foi. O exemplo ficou. Sonho grande, entregas concretas. Brasília é a prova de que ambição pública com planejamento e estratégia geram resultados. Legou-nos também a crença ativa no Brasil: um otimismo capaz de mobilizar o povo e a classe política, capaz de estabelecer prazos e transformar uma nação.
Juscelino nasceu em Diamantina em 12 de setembro de 1902. Filho de Júlia Kubitschek, professora, e de João César de Oliveira, caixeiro-viajante e servidor público. Perde o pai muito cedo e cresce com a irmã, Maria da Conceição, a Naná. Trabalha como telegrafista para estudar. Ingressa na Faculdade de Medicina da UFMG em Belo Horizonte. Forma-se médico em 1927 e se especializa em urologia em Paris. Volta para Minas, monta consultório, integra o corpo clínico do Hospital Militar.
A política começa a seduzir o jovem doutor e, inicialmente, divide a vida pública com o ofício médico. Cirurgião e gestor. Estetoscópio pela manhã e despachos à tarde. A vida pública entra de vez em 1940 com a Prefeitura de Belo Horizonte. Juscelino entrega obra e desenho urbano. Avenidas, saneamento, o conjunto da Pampulha com Oscar Niemeyer. Em 1951 assume o governo de Minas Gerais e consolida a equação energia e transporte: cria a Cemig, expande a malha rodoviária, impulsiona a industrialização e planeja grandes obras hidrelétricas como Três Marias. Projetou-se como liderança nacional.
Depois do suicídio de Getúlio, em agosto de 1954, o país entrou em luto e pólvora. A eleição de outubro de 1955 deu a Juscelino Kubitschek e a João Goulart a vitória contestada pela UDN. Entre a licença de Café Filho e a breve passagem de Carlos Luz, a crise escalou. Em 11 de novembro, o general Lott garantiu a legalidade e assegurou a posse dos eleitos. Em 31 de janeiro de 1956, JK toma posse num Brasil em estado de sítio e com censura. Nos primeiros dias, pede a revogação, restabelece liberdades e recompõe a rotina civil. Quando vieram Jacareacanga e Aragarças, respondeu com firmeza e anistia. Autoridade sem autoritarismo. Democrata com altivez. Humanismo.
O Plano de Metas tirou o país do improviso e pôs o governo a operar por prioridades mensuráveis. Eram 31 metas agrupadas em cinco eixos, energia, transportes, alimentação, indústria de base e educação, com o Conselho de Desenvolvimento funcionando como centro de coordenação e cobrança. Brasília, erguida em 41 meses, foi a meta-síntese, símbolo de integração territorial e de interiorização do crescimento.
O plano de JK articulou investimento público e privado, abriu cadeias industriais, consolidou infraestrutura energética e rodoviária e conectou regiões antes apartadas. Planejamento com calendário, orçamento e monitoramento. A economia responde e o país cresce, em média, perto de 8% ao ano. A indústria se diversifica. A malha de estradas e usinas integra o território. Há custos e tensões, mas há escolha. Desenvolvimento não é mística, é opção política corajosa. Eis o ensinamento de JK.
A bibliografia é rica. Ronaldo Costa Couto reconstrói a vida e o estilo na obra “Juscelino Kubitschek” e chama o biografado de “brasileiríssimo”. Carlos Alberto Teixeira de Oliveira organiza a trilogia “Juscelino Kubitschek: Profeta do Desenvolvimento” e oferece centenas de documentos e discursos que enaltecem o período dourado do governo de Juscelino. Claudio Bojunga, em “JK – O Artista do Impossível”, descreve um tempo em que crescimento, democracia e florescimento cultural caminham juntos. Maria Victoria Benevides reflete sobre a estabilidade política construída por JK. Desenvolvimento com estabilidade de forma legítima e com eficácia.
Outro dia eu estava na casa do meu amigo Zé Fernando Aparecido. Sobre a mesa havia um exemplar de Ação Política, livro de Pedro Maciel Vidigal, mineiro, padre, advogado e ex-deputado. Ele me mostrou o livro aberto no capítulo sobre Juscelino Kubitschek: “soube promover o bem comum com humanismo e otimismo”, que “a esperança de melhores dias para os brasileiros” animava o seu espírito, via nele “a caridade coletiva”, a política como serviço, e definia o coração do governo como “proposição a realizar, devoção apaixonada a uma causa”. Como escrevia bem o Padre Vidigal: retrato fiel e empolgante de JK!
Ao longo desses anos, vez ou outra aparece quem se apresente como “o novo JK”. As expectativas, porém, nunca se cumpriram, nem de longe. E ficam ainda mais improváveis neste tempo de redes ruidosas e holofotes múltiplos. Juscelino era muito diferente dos políticos de nossos dias. Fazia política com encantamento, diálogo respeitoso, projeto consistente e defesa dos interesses nacionais. Sabia onde o Brasil podia chegar. A sua escola, a do projeto nacional que inclui e entrega, hoje quase não encontra eco; perde-se na lacração e na polarização rasa.
Um dia, por inspiração juscelinista, a decência, o diálogo e o projeto nacional falarão mais alto que o barulho lacrador e o personalismo doentio? Talvez. Oxalá esse dia venha logo. Até lá, subsiste a saudade e, mais do que a esperança de surgir um “novo JK”, a inspiração de fazer o país à altura do que ele provou possível.