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Perigos da língua

Esta semana, duas figuras públicas disseram coisas difíceis de se digerir. Por mais que tenhamos boa vontade em compreender, buscar o contexto, enfim, aceitar

A linha que separa a empolgação da gafe é tênue, frágil, e qualquer deslize faz um estrago difícil de se remendar

Perigos da língua Já disse algumas vezes nesse minifúndio do quanto peço a Deus, todo dia, proteção especial para o fato de que trabalho com a palavra, mais que isso, com o improviso. A linha que separa a empolgação da gafe é tênue, frágil, e qualquer deslize faz um estrago difícil de se remendar. Sobretudo quando a gente ofende, menospreza, ou difama, estraga a vida das pessoas.

Esta semana, duas figuras públicas disseram coisas difíceis de se digerir. Por mais que tenhamos boa vontade em compreender, buscar o contexto, enfim, aceitar. É difícil.

O candidato ao governo do Piauí Sílvio Mendes (União Brasil) ao ser questionado pela jornalista Katya D’Angelles sobre planos para proteger as mulheres e minorias, o candidato: “você que é quase negra na pele, mas é uma pessoa inteligente, teve a oportunidade que a maioria não teve e aproveitou”...

No mesmo dia, após discurso para empresários na Federação das Indústrias do Rio de Janeiro, o candidato do PDT à Presidência da República, Ciro Gomes, foi elogiado por um espectador, dizendo que tivera uma verdadeira aula e respondeu: “Isso é comício para gente preparada; imagina eu explicar isso na favela”.

Tanto o piauiense Silvio quanto o cearense Ciro dirão que foram mal interpretados, que não queriam ofender, que gostam de gente negra e pobre, que tem empregados com os quais se dão bem, aquela coisa toda... Mas, cá no fundo, bem na alma, sabemos todos que fazem parte da tal elite, a tal gente rica que manda no país desde 1500. Não me refiro a ricos que estudaram, trabalharam e ganharam seu dinheiro com suor.

Falo das famílias ditas tradicionais, essas que estão no poder desde sempre, se revezando, mandando, aproveitando, e acham um absurdo alguém questionar tanto privilégio. Falo de famílias que têm sempre carinho e lanche para os diferentes, desde que estejam na cozinha, no jardim ou na limpeza.

Gente que não aprende, não melhora, não conserta. Até hoje Ciro tem de se explicar por uma frase amalucada que disse dentro do Mercado Central de Belo Horizonte anos atrás. Ao lado da linda e inteligente Patrícia Pilar, então sua mulher, foi questionado sobre o papel que ela teria em eventual governo dele. Respondeu: “Vai dormir comigo”. Até hoje pede desculpas. E, como vai estar no Aglomerado da Serra neste sábado à noite provavelmente vai dar de cara com mestres e doutores, nascidos, criados e formados ali, capazes de entender seu comício.

Antes de trabalhar no rádio, Eduardo Costa foi ascensorista e office-boy de hotel, contínuo, escriturário, caixa-executivo e procurador de banco. Formado em Jornalismo pelo UNI-BH, é pós-graduado em Valores Humanos pela Fundação Getúlio Vargas, possui o MBA Executivo na Ohio University, e é mestre em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Agora ele também está na grande rede!