Curiosamente, atendi a duas pacientes com doença celíaca, essa semana. Achei o fato uma coincidência. As duas citaram algo em comum: a demora até o diagnóstico. E repassaram uma dica importante: lembrar de desconfiar da doença quando as vitaminas B12 e D, ferritina e cálcio estiverem baixos.
Mas, o que é a doença celíaca?
É uma doença autoimune, em que o sistema de defesa do paciente agride as próprias células, como se fossem estranhas ao corpo. Há uma destruição da mucosa do intestino delgado, após o contato com o glúten, provocando uma inflamação crônica capaz de atrofiar as vilosidades intestinais, responsáveis pela absorção de nutrientes.
O glúten é um conjunto de proteínas que estão presentes em alguns cereais, como trigo, cevada, centeio e, em alguns casos, aveia.
A pessoa já nasce com a predisposição genética para desenvolver a doença, porém não se sabe em qual idade irá manifestar. Pode ocorrer desde a primeira infância até a velhice. Não há medidas conhecidas que evitem ou retardem seu aparecimento. Um em cada 100 indivíduos apresenta a doença celíaca.
Qual parte do corpo é afetada?
A porção inicial do intestino delgado (duodeno) costuma ser mais afetada. Mas, todo o órgão, que tem cerca de 25 centímetros, pode ser acometido. Quanto maior o segmento afetado, pior será o distúrbio de absorção.
Pode haver manifestações no sistema nervoso, no fígado, nas articulações, na pele ou mesmo psiquiátricas.
Quais os sinais e sintomas da doença celíaca?
Já foram descritos mais de 300 sintomas. Os mais comuns são: diarreia prolongada ou recorrente, distensão abdominal, sensação de empachamento, flatulência, perda de peso inexplicada, fadiga crônica, dores articulares, náuseas, vômitos, dores de cabeça, humor alterado, baixa estatura, falta de apetite, aftas de repetição, insônia, dermatite, queda de cabelo, dificuldade de atenção, infertilidade, prisão de ventre. Além disso, o paciente pode apresentar vitaminas D, B, ferro e cálcio baixos. Pode desconfiar se aparecer anemia e osteopenia não explicadas por outras causas.
Há ainda uma manifestação da doença celíaca mais rara, em que aparecem pequenas feridas ou bolhas na pele que coçam, de ambos os lados do corpo, principalmente nos cotovelos, joelhos, ombros e nádegas.
Como é feito o diagnóstico?
Inicia-se a investigação por exames de sangue, como anticorpos antitransglutaminase tecidual, antiendomísio, antigliadina, além de imunoglobulina IgA, entre outros. O diagnóstico confirmatório se dá pela endoscopia digestiva alta, com biópsia. São verificadas mudanças nas vilosidades que revestem a parede do intestino delgado. São feitas, de 4 a 6 coletas, próximas ao bulbo e porções mais distais do duodeno.
A classificação da doença celíaca é feita medindo-se a intensidade das lesões na mucosa intestinal. Uma escala chamada MARSH definida pela avaliação microscópica do tecido biopsiado. Ela leva em conta o grau de atrofia das vilosidades intestinais, a presença de células inflamatórias (linfócitos intraepiteliais) e a relação vilosidade / cripta. Mesmo no nível mais avançado de atrofia pode haver regressão para o normal com a dieta sem glúten – o que pode demorar alguns anos.
Como há predisposição genético, o risco de um parente ter a doença é de 1/10 enquanto que na população geral é de 1/100.
Tratamento
Não há medicação e nem cura. O tratamento é feito por meio de dieta rigorosa isenta de glúten e reposição dos nutrientes que estiverem em níveis baixos. Não se deve consumir alimentos com trigo, centeio e cevada e seus derivados (farinha de trigo, pão, farinha de rosca, macarrão, bolachas, biscoitos, bolos e outros) e aveia contaminada por glúten.
Dicas para quem tem doença celíaca
- Ler com atenção todos os rótulos ou embalagens de produtos industrializados e, em caso de dúvida, consulte o fabricante;
- Não use óleos onde foram fritos alimentos com farinha de trigo ou farinha de rosca (feita de pão torrado);
- Não engrosse pudins, cremes ou molhos com farinha de trigo;
- Tenha cuidado com temperos e amaciantes de carnes industrializados, pois muitos contêm glúten;
- Não utilize as farinhas proibidas para polvilhar assadeiras ou formas;
- Evite alimentos fritos na rua, pelo risco de contaminação cruzada por glúten;
- O glúten é como uma cola e pode ficar impregnado em superfícies porosas como plástico, teflon, borracha e madeira;
- Existe a Associação de Celíacos do Brasil (Fenacelbra) que fornece informações e dicas de confiança.
Afinal, o que se pode comer?
- Cereais: arroz, milho;
- Farinhas: mandioca, arroz, milho, fubá, féculas de batata, polvilho, tapioca, farinha de feijão branco, grão-de-bico;
- Gorduras: vegetais e animais;
- Frutas: naturais, secas e sucos;
- Laticínios: leite, manteiga, queijos e derivados;
- Hortaliças, raízes e legumes;
- Carnes e ovos: aves, suínos, bovinos, caprinos, miúdos, peixes, frutos do mar;
- Sementes, oleaginosas, castanhas.
Leia rótulos de alimentos e bulas de medicamentos
Atenção ao rótulo de produtos industrializados em geral. A lei federal nº 10.674, de 2003, determina que todas as empresas que produzem alimentos precisam informar obrigatoriamente em seus rótulos se aquele produto “Contém glúten” ou “Não contém glúten”.
Obs.: essa coluna foi feita em homenagem às pacientes Larissa G.P., 33 anos, e Giovanna M.A., 31 anos.