Ouvindo...

Fabiana de Lemos | Lições de vida em consultório!

Perdão, resiliência e empatia: sentimentos essenciais no dia a dia durante atendimentos médicos

Perdão, resilência e empatia: sentimentos essenciais dentro do consultório médico

Consulta 1: Perdoar – é jogar fora o lixo que o outro deixou em você!

Uma paciente entra no meu consultório – no SUS. Nunca a tinha visto. Era uma primeira consulta.

Após os cumprimentos, diz ter procurado atendimento porque estava se sentindo sobrecarregada, cansada e desanimada. Sua mãe tivera um AVC e tornara-se acamada e, totalmente, dependente para todas as tarefas diárias.

A paciente, de meia idade, mãe de 3 filhos, e uma vida profissional pela frente, teve que abandonar seu emprego para garantir os cuidados integrais a sua mãe.

Pergunto para ela se não tem irmãos. Responde que tem: oito.

Insisto: “Mas nenhum deles te ajuda nos cuidados?”.

- Sabe, doutora, não julgo meus irmãos. Minha mãe não foi muito cuidadosa conosco, era alcoólatra e batia muito na gente.

Reflexiva e sem saber o que eu deveria falar, perguntei:

- Mas, por que você cuida dela com tanta dedicação?

- Porque foi ela quem me deu a vida!

** Após essa resposta, não consegui lembrar de mais nenhum detalhe daquele atendimento... Minha vontade era, simplesmente, agradecê-la, “pagar a consulta” e sair com meus pensamentos!

Consulta 2: Resiliência – capacidade de se recuperar e conseguir aprender com situações de crise

A paciente entra em meu consultório. Um belo par de olhos azul-anil, uma boca bem delineada com batom vermelho e um andar em desalinho me chamam a atenção.

Pergunto sua história pregressa – o que é de praxe em uma consulta médica.

- Fuma? Usa álcool?

- Não.

- Já foi internada ou fez alguma cirurgia?

Percebo um leve sorriso no canto de sua boca.

- Estou me preparando para minha décima quarta cirurgia.

Ah? Não consigo disfarçar minha cara de surpresa!

Minha paciente ficou presa por 8 horas em um deslizamento de terra, fraturou diversos ossos, mas salvou a vida de sua filha de apenas 3 anos. No acidente, ela conseguiu deitar-se por cima da filha, que teve apenas pequenos arranhões.

Como ela não se incomodou em falar sobre o assunto, quis saber todos os detalhes.

Após contar sua história, entendi porque aquele olhar não refletia apenas um belo azul.

** Mariana R.A., sou sua eterna fã!

Consulta 3: Empatia – colocar-se no lugar do outro

Uma paciente, de 44 anos, entra em meu consultório para um segundo atendimento. Apresenta um semblante triste e pede desculpas pela demora em retornar com os resultados dos exames.

- Não consegui vir antes, doutora, porque a vida virou do avesso. Meu pai faleceu. Quando recebeu o diagnóstico de câncer no rim, já estava tudo tomado. E, para piorar, meu irmão está aguardando o resultado de uma biópsia da próstata. Ainda não sabemos se é notícia ruim, lamentava-se.

Naquele instante, sem saber o que responder, decido exercitar a empatia. Por alguns segundos, em minha mente, eu me vi envolvida num último abraço apertado de despedida junto ao meu pai e, em seguida, acariciei minha querida irmã, sugerindo forças para o atual desafio.

Um bolo desagradável subiu para minha garganta, a boca secou, os olhos ficaram úmidos. Foi difícil me imaginar naquela situação.

Suspirei fundo e voltei para a consulta.

- O momento está muito difícil para minha mãe e minha família, comenta a paciente.

- Nem consigo imaginar, respondo, com coração ainda acelerado. E, continuamos a consulta...

* A empatia nos dá paciência, sensatez, parcimônia, reduz o hábito de julgar o outro.

*** Agradeço aos pacientes por dividir suas histórias e trazer tantos ensinamentos para as consultas.

Leia também

Fabiana de Lemos é jornalista e médica. Membro da Sociedade Brasileira de Clínica Médica. Trabalhou no Caderno Gerais do Jornal Estado de Minas, de 1997 a 2003. Foi concursada da Prefeitura de Belo Horizonte e atuou como médica no SUS, de 2012 a 2018. Foi professora de Medicina pelo UniBH, até 2023. Atualmente, atende em consultório.

A opinião deste artigo é do articulista e não reflete, necessariamente, a posição da Itatiaia.