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Fabiana de Lemos | Endometriose: uma doença com instalação silenciosa

Doença inflamatória caracterizada pela presença de endométrio fora da cavidade uterina

Endometriose é uma doença inflamatória, caracterizada pela presença de endométrio fora da cavidade uterina

Dezessete anos atrás, fui surpreendida durante uma consulta ginecológica. Minha médica, muito especial, dra. Lúcia Peixoto Aleixo, deu-me o diagnóstico de endometriose intestinal severa. E lançou, de supetão, um dilema.

- Se você quiser ser mãe, não poderá mais adiar!

A notícia impactou-me, profundamente. Afinal, eu estava no penúltimo ano de Medicina e ainda faltavam dois anos de residência médica. Como várias mulheres, hoje em dia, eu também havia adiado a maternidade, um pouco mais do que deveria.

Ainda incerta de que aquele era o momento ideal para engravidar, mas com a certeza do desejo pela maternidade, iniciei o tratamento – uma cirurgia de retirada de 20 cm de intestino, avaliação das trompas uterinas, seis meses de medicação injetável que provocou uma menopausa abrupta (com todos os terríveis sintomas) e um prazo de 3 meses para tentar a gestação por indução de ovulação. Caso contrário, teria que encarar uma fertilização in vitro.

Deu certo! A gravidez aconteceu no terceiro mês, após um processo nada natural. Em um dos meses, o dia fértil caiu em plena segunda-feira. Tive aula o dia inteiro e, à noite, cursinho preparatório para a prova de residência. Cheguei em casa, por volta de meia-noite. Super-romântico!!

O que é endometriose?

É uma doença inflamatória, caracterizada pela presença de endométrio fora da cavidade uterina. Esse tecido representa a camada mais interna do útero, que se renova, mensalmente, por meio da menstruação. Pode se implantar nos ovários, trompas uterinas, intestino, bexiga, ligamentos uterinos e até no pulmão.

Essa condição afeta entre 2% e 10% das mulheres em idade reprodutiva. Em mulheres com dor pélvica crônica e infertilidade, essa taxa chega a 50%, segundo a Sociedade Brasileira de Endometriose.

Quando desconfiar?

No meu caso, fiquei assintomática até que, durante uma menstruação, tive fortes dores para evacuar, além de uma sensação de que havia um chumbo dentro do meu intestino, forçando-o para fora (apesar de tudo estar no devido lugar).

Os sintomas mais comuns são cólicas leves a intensas; dor durante ou após a relação sexual; dor na pelve; dores ao urinar e evacuar, especialmente no período menstrual.

O tecido do endométrio, mesmo fora útero, continua sendo estimulado, mensalmente, pela ação dos hormônios do ciclo menstrual. Isso provoca uma reação inflamatória que gera dor.

Já tive pacientes que apresentavam uma dor abdominal mais difusa, que ocorria durante todo o ciclo, mas que piorava durante o período menstrual.

Causas da endometriose

A causa principal é a quantidade de menstruação ao longo da vida. No início do século XX, a mulher menstruava cerca de 40 vezes, pois tinha diversos filhos, desde muito nova. Atualmente, a mulher tem cerca de 400 menstruações ao longo de sua vida reprodutiva.

Apesar dessa constatação, não existe compreensão completa sobre a origem da endometriose. Fatores imunológicos, genéticos, alterações enzimáticas tornam o endométrio mais susceptível ao desenvolvimento da doença.

Tratamento

É variado, com o uso de medicações para impedir menstruações; o uso de alguns hormônios e cirurgias com eliminação dos focos da endometriose. Quando há indicação cirúrgica, o procedimento é feito, normalmente, pela videolaparoscopia, e consiste em remover os nódulos de endométrio. A abordagem cirúrgica nos órgãos não genitais, como o intestino e a bexiga, costuma também ser realizada. O procedimento é delicado, complexa e, por vezes, necessita de outros especialistas, como proctologista e urologista.

Outro fator importante é que a endometriose pode retornar, mesmo após uma cirurgia bem sucedida. A taxa de recorrência da doença ovariana varia entre 20% e 40% após 5 anos, e por isso, a decisão de operar deve sempre considerar os riscos e os benefícios e ser definida por um especialista experiente no tratamento da endometriose.

Dificuldade para engravidar

Um dos principais objetivos do tratamento é a preservação dos ovários para garantia da gestação. Estima-se que entre 30% a 50% das mulheres com a endometriose tenham dificuldade para engravidar.

A doença pode dificultar o número e a qualidade dos óvulos, afetar as trompas, gerar inflamação e aderências que dificultam o transporte dos gametas.

Preservação da fertilidade

A mulher com endometriose deve estar aberta para discutir, com um especialista em reprodução humana, sobre as opções de garantia futura de gestações. Isso deve ser feito antes de qualquer intervenção cirúrgica.

Algumas opções, como congelamentos de óvulos e supressão hormonal para retardar a progressão da doença até o momento ideal de gestar, devem ser conversadas.

O esforço vale a pena!

Agradeço a Deus e ao meu marido, Ricardo, pelo presente recebido (Isabela) que me força, a cada dia, tentar ser uma pessoa melhor.

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Fabiana de Lemos é jornalista e médica. Membro da Sociedade Brasileira de Clínica Médica. Trabalhou no Caderno Gerais do Jornal Estado de Minas, de 1997 a 2003. Foi concursada da Prefeitura de Belo Horizonte e atuou como médica no SUS, de 2012 a 2018. Foi professora de Medicina pelo UniBH, até 2023. Atualmente, atende em consultório.

A opinião deste artigo é do articulista e não reflete, necessariamente, a posição da Itatiaia.