Quero falar sobre algo que, em princípio, não deveria ser noticiado. “Não deveria”, ao contrário do que muitos imaginam, gritam e xingam dizendo que o suicídio não pode ser divulgado. Nunca foi proibido. O que prevaleceu durante décadas foi um pacto que profissionais da imprensa fizeram nos anos 60 do século passado, entendendo que a decisão de uns – anunciada aos quatro cantos – poderia estimular outros. O tempo mostrou que não é bem assim e, hoje, tanto psiquiatras quanto profissionais de outras áreas que discutem o tema defendem a divulgação do autoextermínio, com a devida responsabilidade para alertar a sociedade de que os números só crescem e, o que é pior, na adolescência e em pessoas com mais de 60 anos.
Trago hoje um desses casos que há dez dias não sai da minha cabeça. Em um condomínio dos mais chiques da região metropolitana de Belo Horizonte, uma bela casa chamava a atenção pelos três carros na garagem. Uma BMW, um Porsche e uma Ferrari. Quem não conseguia segurar a curiosidade e descobria o nome do morador o encontraria facilmente em redes sociais, desfilando alegria e um jeito rico de ser: fotos da exuberante clínica na região centro-sul de BH, as duas lindas filhas, um mundo de glamour. Esse mesmo homem comprava espaço em emissoras de TV e já era reconhecido como grande colecionador de obras de arte. O que costumamos qualificar de “gente de bem”.
Numa manhã de segunda-feira, vizinhos estranharam a presença de dois carros da Polícia Militar na porta da mansão. Depois vieram peritos, rabecão e a notícia correu. Em princípio, as ilações giravam em torno de um possível crime passional dada a orientação sexual do famoso.
Com o passar dos dias, os fatos foram aparecendo. O poderoso teve uma filha com uma de suas empregadas e, aos 13 anos, a mocinha começou a ser assediada pelo próprio pai. As denúncias são de que a embebedava e queria “dormir com ela” de qualquer jeito. Até que numa madrugada o infeliz começou a passar as mãos no corpo dela, insistentemente. A menina se escondeu num banheiro e ali ficou até as 9 da manhã seguinte quando era hora de ir. Contou para uma prima, que contou para a tia, que contou para a avó, que contou para a mãe, a polícia entrou, preparou um inquérito e uma juíza decretou a prisão preventiva, ou seja, que ele deveria ficar no xadrez até o julgamento. Chamou a atenção que o mandado tinha prazo de validade de 20 anos, o que indicaria uma provável pena que seria aplicada no momento certo.
Naquela segunda-feira, quando os militares chegaram dizendo que era hora de ir, no camburão da RP, o bacana deve ter ligado para o advogado, que deve ter dito “a juíza acaba de decidir” e você vai ter que ir. Foi demais para a cabeça do bem-sucedido, acostumado aos holofotes, à bajulação e à sensação de quase todo brasileiro rico de que “não vai dar nada pra mim”. Deu um tiro na cabeça e saiu de rabecão.