No projeto original de Belo Horizonte, não havia praça mais importante do que aquela batizada como 14 de Setembro. Circular, no entroncamento das principais avenidas da nova capital, ela seria o centro simbólico da autonomia municipal recém-conquistada. A data que lhe dava nome não foi escolhida por acaso: 14 de setembro de 1891 marca a promulgação da Lei nº 2 do Estado de Minas Gerais, a primeira Lei Orgânica dos Municípios republicanos. Foi esse o marco que garantiu aos cidadãos o direito de eleger prefeitos, vereadores, organizar escolas e administrar seus próprios recursos. Pela primeira vez, o povo das cidades mineiras teria o direito de se autogovernar.
A nova capital representaria essa virada política também no espaço. Por isso, a planta aprovada em 1895 previu ali o Palácio da Municipalidade, edifício monumental onde funcionariam a prefeitura e a câmara de vereadores. A praça 14 de Setembro seria o coração do poder popular na lógica da cidade. Só que nada disso se concretizou. Por décadas, o local permaneceu como um vazio urbano. A prefeitura operou provisoriamente onde hoje está o Arquivo Público Mineiro. A câmara teve sede improvisada na Praça da Liberdade e só mais tarde ganhou prédio próprio na Rua da Bahia. O Palácio da Municipalidade jamais saiu do papel. E a praça, prometida ao povo, seguiu inacabada por quase trinta anos.
Foi apenas em 1924, com a morte de Raul Soares de Moura, ex-governador de Minas Gerais, que o espaço começou a ganhar forma. A Assembleia aprovou a Lei nº 281, renomeando a praça em sua homenagem. E nos anos seguintes, a prefeitura decidiu finalmente urbanizá-la. A tarefa coube ao arquiteto Érico de Paula, uma figura pouco conhecida hoje, mas decisiva na paisagem de Belo Horizonte.
Érico de Paula projetou uma praça única. Ao adotar a forma circular, a única dentro da Avenida do Contorno, ele criou um ponto de equilíbrio na malha ortogonal da cidade. O traçado geométrico remete aos jardins clássicos franceses, com canteiros dispostos simetricamente e bordados por arbustos podados. No piso, a inovação: mosaicos de pedra portuguesa desenham padrões inspirados na arte marajoara, retomando grafismos indígenas da Ilha de Marajó. Essa estética, típica do estilo art déco brasileiro, era símbolo de modernidade nacionalista nos anos 1930. O mesmo repertório aparece no Cine Brasil e até na moeda de um real. A Raul Soares virou, assim, uma galeria a céu aberto da brasilidade decorada.
Ao centro, a fonte luminosa. Com jatos de água e luzes coloridas, tornou-se uma das primeiras atrações cênicas da cidade. Famílias vinham de todos os bairros para assistir ao espetáculo noturno. Nos anos 40 e 50, a praça virou ponto de encontro, passeio e paquera. Ao seu redor, funcionaram o Cine Candelária e casas de comércio elegantes. Também ali foi instalado o marco de orientação rodoviária da capital, diferente do Marco Zero, que ficava na Praça da Estação e hoje está junto à Catedral.
A praça nasceu para sediar o poder municipal e virou palco da vida pública. Foi tomada pelo footing da juventude, esquecida pelo planejamento, e agora começa a ser reconquistada por quem vive o centro. Novos bares e espaços como o Babel e a Galeria São Vicente devolvem energia a um lugar que nunca perdeu sua força simbólica.
A Raul Soares continua sendo o que sempre foi: um espaço onde a cidade ensaia seus futuros. Planejada como sede do poder do povo, é o povo que hoje a preenche com encontros, memórias e recomeços. Porque a praça que prometia o povo no poder, mesmo sem palácio, ainda cumpre sua função.