No Parque Municipal Américo Renné Giannetti, entre árvores e gatinhos, repousa uma estrutura de pedra que parece discreta à primeira vista, mas carrega em si a memória de uma cidade nascente: o Bebedouro dos Burros. Construído no final do século XIX, esse reservatório circular de água era um equipamento urbano essencial nos primeiros anos de Belo Horizonte, pensado para saciar a sede dos animais que puxavam carroças e conduziam materiais durante a construção da nova capital mineira.
Sua localização original era a antiga Praça da República — hoje chamada Praça Afonso Arinos —, ponto estratégico do traçado urbano inicial, nas imediações de onde funcionavam importantes repartições públicas e circulavam as tropas que abasteciam os canteiros de obras. A estrutura em granito, de desenho robusto e funcional, era um gesto de urbanidade: uma cidade moderna precisava cuidar não apenas das pessoas, mas também dos animais que sustentavam sua economia.
No lado direito do postal, o Bebedouro dos Burros quando ainda estava na Praça da República, hoje Praça Afonso Arinos.
Com o passar das décadas e a motorização crescente, os burros deixaram de circular e o bebedouro perdeu sua função original. Transferido para o interior do Parque Municipal, passou a desempenhar um novo papel: o de monumento silencioso, testemunha do tempo e do esforço coletivo que ergueu Belo Horizonte sobre os escombros do Arraial. Hoje, ao redor do antigo bebedouro, em vez de carroças, circulam bicicletas, famílias com carrinhos de bebê e jovens entregadores de aplicativo — montados não em burros, mas em bikes e motocicletas.
Esse contraste revela uma cidade que mudou de forma e ritmo. Se antes era preciso cuidar dos animais que movimentavam a cidade, hoje enfrentamos o desafio de reconhecer e valorizar os novos agentes do trabalho urbano, muitas vezes invisibilizados: motoristas, ciclistas, entregadores e operadores logísticos. O bebedouro permanece como convite à reflexão: quais estruturas estamos oferecendo para sustentar com dignidade a engrenagem da cidade contemporânea?
Em tempos de urbanismo digital, carros autônomos e inteligência artificial, o Bebedouro dos Burros nos lembra que toda cidade começa com gestos simples de cuidado e infraestrutura básica. E talvez esse gesto de lembrar seja, hoje, o mais urgente dos progressos.