Pouca gente, ao caminhar pela Rua Goiás, no centro de Belo Horizonte, imagina que seus quarteirões — hoje ocupados por edifícios diversos e circulação intensa — foram concebidos como parte de um cenário monumental de uma cidade republicana ideal.
No plano urbanístico traçado por Aarão Reis na última década do século XIX, ainda sob o nome de Cidade de Minas, dois palácios de proporções imponentes deveriam ter surgido ali: o Palácio do Congresso e o Palácio da Justiça. Ambos teriam suas fachadas principais voltadas para a Avenida Afonso Pena, junto à então chamada Praça da República (atual Praça Afonso Arinos), estendendo-se até os fundos, justamente na Rua Goiás.
Inspirado pelos ideais da República recém-proclamada, o plano previa uma composição urbana simbólica: o Poder Executivo, localizado na Praça da Liberdade, seria conectado (pela Avenida da Liberdade, hoje Avenida João Pinheiro) aos Poderes Legislativo e Judiciário, posicionados lado a lado no coração cívico da capital. Os dois palácios ocupariam quarteirões inteiros e se encontrariam na Afonso Pena, formando um quadrilátero monumental emoldurando a praça. Aos seus fundos, a Rua Goiás não seria uma via secundária, e sim parte essencial da monumentalidade, completando a composição com profundidade urbana.
Palácio do Congresso, em BH
Os projetos, assinados por José de Magalhães e desenhados no estilo Beaux-Arts francês, foram celebrados em litografias da época. Contudo, suas obras foram paralisadas ainda no nível do chão.
A razão foi tanto política quanto financeira. A mudança de governo em Minas, em 1895, com a posse de Crispim Jacques Bias Fortes, significou cortes drásticos nos recursos da Comissão Construtora da Nova Capital. Obras tidas como não essenciais — entre elas os palácios — foram engavetadas. Em seu lugar, surgiram soluções provisórias. O Congresso funcionou por anos em um palacete modesto na esquina da Rua da Bahia com Rua dos Tupis, com frente para a Avenida Afonso Pena, depois transformado no Hotel Globo e, nos anos 1970, substituído pelo BH Othon Palace.
Vale lembrar que o Congresso Estadual, à época, era bicameral, composto por deputados e senadores estaduais. A Câmara dos Deputados foi instalada em outro edifício permanente na própria Praça da República, enquanto o Senado Estadual foi deslocado para a Avenida João Pinheiro, onde hoje funciona o Museu Mineiro. Diferentemente do planejado, os dois ramos do Legislativo não permaneceram reunidos. Com o tempo, o Senado Estadual foi extinto por reformas constitucionais.
O Palácio da Justiça, por sua vez, foi parcialmente realizado por Raphael Rebecchi em 1912, em escala menor, mas ainda com certa nobreza. Sediou por décadas o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, sendo posteriormente tombado e hoje destinado ao Museu do Judiciário Mineiro, atualmente em reforma.
Ao lado dele, surgiram outros ícones urbanos: o Automóvel Clube de Minas Gerais e seu edifício residencial homônimo, e a Delegacia Fiscal, demolida posteriormente para dar lugar ao atual edifício do Ministério da Fazenda do Governo Federal. Ambos ocuparam áreas que, originalmente, pertenciam à monumental Praça da República.
Palácio da Justiça, em BH
A Rua Goiás, nesse cenário, deixou de ser o pano de fundo dos poderes republicanos e tornou-se via de fundos para outras edificações, como o antigo Cine Teatro Metrópole, a Prefeitura Municipal, o edifício-sede dos Correios, o Conservatório de Música de Minas Gerais, além de prédios comerciais e residenciais. A divisão de lotes, originalmente planejada para abrigar apenas dois palácios, dificulta hoje a compreensão da lógica fundadora desses espaços.
A história dos palácios não construídos é também a história do que Belo Horizonte sonhou ser — e do que a política, os orçamentos e o tempo impediram. Mesmo ausentes, esses edifícios continuam presentes na malha da cidade, nos arquivos e na crítica urbanística, como fantasmas de um civismo desenhado e nunca edificado. Suas fundações permanecem sob outras construções, invisíveis à pressa do cotidiano.
Não deixa de ser sintomático, num país que concentra poder na função Executiva, saber que para a sede do governo não faltou orçamento — contudo, para as sedes da justiça e da representação popular, os recursos não foram suficientes. Talvez, dirão alguns, a principal razão da não construção tenha sido a urgência de concluir a nova capital até 17 de dezembro de 1897, data-limite para que Belo Horizonte se tornasse, de fato, capital. Todavia, essa já é outra história…