Reduzir a dose de radiação sem perder a qualidade da imagem é um dos principais desafios da tomografia computadorizada (TC). Em parceria com a
O destaque da pesquisa é o uso de um dispositivo pouco conhecido pelo público: o phantom, objeto usado para simular o corpo humano em testes. Ele funciona como um substituto do tecido humano e permite avaliar o desempenho dos equipamentos de imagem.
O objetivo da equipe de físicos-médicos e radiologistas foi criar um phantom que reproduzisse o tórax e a interação da radiação com os tecidos pulmonares. A intenção era avaliar, de forma precisa, a qualidade das imagens, um passo importante no aprimoramento do rastreamento de nódulos e no diagnóstico do câncer de pulmão.
Sobre o modelo híbrido
Segundo Paulo Roberto Costa, primeiro autor do estudo, o “pulo do gato” está na criação de um modelo híbrido. O phantom desenvolvido combina duas abordagens: uma voltada às métricas objetivas de qualidade de imagem e outra ao realismo anatômico.
Ele acrescenta que as métricas, apesar de bem estabelecidas, “dizem pouco sobre a capacidade real do radiologista identificar estruturas no exame”.
Por isso, a parte antropomórfica do phantom foi projetada para incluir estruturas impressas em 3D, que mimetizam a árvore traqueobrônquica e diferentes tipos de nódulos pulmonares. “A gente queria aproximar essas duas perspectivas (objetiva e antropomórfica).”
Costa resume: “O que tem de diferente? Tudo isso já se faz há muitos anos. É que não se incorpora os dois em um objeto só. Então, esse é o ‘pulo do gato’: colocar o objetivo e o subjetivo, que é o antropomórfico, no mesmo dispositivo.”
Produção das imagens e validação
As imagens dos nódulos, feitas com o phantom híbrido, foram produzidas com diferentes tecnologias, doses de radiação e algoritmos de processamento. As estruturas foram baseadas em pacientes anonimizados selecionados pelo radiologista Márcio Sawamura, do Instituto de Radiologia (InRad) do HC-FMUSP.
Em entrevista ao Jornal da USP, Sawamura explica que, para validar o phantom, “colegas radiologistas com diferentes níveis de experiência observaram essas imagens e classificaram se estavam parecidas com o nódulo verdadeiro ou não”.
O teste era feito às cegas, sem saber se havia nódulos presentes, os observadores indicavam se conseguiam identificá-los. Ao todo, participaram cinco radiologistas e oito observadores sem formação na área.
O phantom também passou por testes de desempenho, influenciados por dose, voltagem e filtragem do feixe de raios X. Além disso, houve uma avaliação comparativa da densidade dos materiais pela Escala Hounsfield (HU). A diferença entre os valores medidos e os esperados ficou abaixo de 15%.
Desafios da pesquisa
Sawamura destaca que o diagnóstico precoce do câncer de pulmão é ainda mais difícil porque a tomografia de baixa dose (LDCT), indicada nesses casos, utiliza menos radiação. Isso pode afetar a nitidez. “O câncer de pulmão pode começar como um nódulo muito pequeno. Então a ideia foi replicar isso, porque a gente precisa conseguir ver na imagem esses nódulos de 2, 3 milímetros”, afirma.
A equipe também buscou emular a densidade real dos nódulos, tarefa complexa porque muitos cânceres começam como “uma opacidade tênue”, chamada opacidade de vidro fosco (OVF). “Depois ele se solidifica, fica mais denso, mais fácil de a gente ver”, explica.
Paulo Roberto Costa reforça a importância da volumetria dos nódulos no acompanhamento clínico. “Esse volume vai indicar a necessidade de que, daqui a 400 dias, o paciente faça outra tomografia. Se este nódulo dobrou de volume em 400 dias, ele tem um prognóstico de câncer mais bem determinado. Se o nódulo não mudar, é outro prognóstico.”
Como os phantoms comerciais não atendiam às necessidades da pesquisa, a equipe decidiu desenvolver um modelo próprio. “Têm poucos phantoms distribuídos em um país deste tamanho e precisamos desenvolver tecnologia nacional. Isso é um desafio que a gente está adotando”, diz Costa.
O phantom híbrido só foi possível graças à impressão 3D. Sem ela, segundo os pesquisadores, o custo seria inviável.
Uso da radiação
A tomografia computadorizada utiliza radiação ionizante, que atravessa o corpo e ajuda a formar imagens tridimensionais. Ossos aparecem em branco, o ar em preto, e os tecidos em tons de cinza.
Os parâmetros de uso da radiação são tema de debate na área médica. O ideal é que a dose seja a menor possível, mas ainda permita a identificação das estruturas. “Talvez, para uma pessoa, a dose de radiação não vá fazer diferença, mesmo porque ela se beneficia com o diagnóstico”, afirma Costa. Ele alerta que o risco maior aparece quando se pensa em grandes populações.
Costa reforça que é preciso cautela: “Se o tomógrafo passa por processo de otimização, tem um físico médico cuidando do balanço entre qualidade das imagens e doses; a melhor estratégia, desde que esteja justificada, é fazer o diagnóstico, não é fugir dele.”
(Sob supervisão de Aline Campolina)