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STF descriminaliza porte de maconha: ‘droga com negro é tráfico, com branco é uso’, diz advogado

Levantamento aponta que, em 10 anos, 31 mil negros foram considerados traficantes em situações similares àquelas em que brancos foram considerados usuários em São Paulo; corte ainda vai definir quantidade permitida

O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria, nesta terça-feira (25), para descriminalizar o porte de maconha para uso pessoal no Brasil. A decisão encerra um debate que começou ainda em 2015, quando a defesa de um homem, detido ao ser flagrado com três gramas de maconha, acionou a maior instância do judiciário brasileiro.

Atualmente, o artigo 28 da lei 11.343/2006, também chamada de Lei das Drogas, estabelece que é crime adquirir, guardar ou transportar drogas para consumo pessoal. A legislação prevê penas alternativas, como advertência e prestação de serviço à comunidade, para quem for flagrado nessas situações. Não há pena de prisão.

Porém, não há definição clara na lei sobre quais são os critérios para caracterizar usuário e traficante. Isso significa que fica a cargo das autoridades locais, como polícia, Ministério Público e o juiz, definir se a pessoa que está com drogas é usuário ou traficante.

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Segundo o advogado criminalista, Leonardo Isaac Yarochewisck, essa indefinição faz com que negros e brancos tenham tratamento diferente com a mesma quantidade da droga.

“Como a lei não fala qual é a quantidade considerada como tráfico, há uma criminalização racial e da pobreza. A mesma quantidade da droga se achada com um negro é considerada tráfico, com o branco é uso”, alerta.

A fala do advogado é corroborada com um estudo realizado pelo Núcleo de Estudos Raciais do Insper (Instituto de Ensino e Pesquisa). A pesquisa revelou que, entre 2010 e 2020, a polícia de São Paulo enquadrou 31 mil negros como traficantes em situações similares àquelas em que brancos foram considerados usuários.

“O tratamento da polícia com o usuário da periferia é arbitrário, violento. Assim como o comportamento do Ministério Público que denuncia [esses usuários] e do juiz que condena”, comenta o advogado.

Definição da quantidade vai ajudar a inibir viés racista

O STF ainda não estabeleceu qual será a quantidade da droga considerada como uso pessoal. A maioria dos ministros propõe uma quantidade que varia de 10 a 60 gramas. Yarochewisck alerta que a definição da quantidade não é um critério absoluto, mas é um importante instrumento de combate ao racismo.

“Essa quantidade não é absoluta. Vamos supor que eles definam que não seja crime portar até 40 gramas de maconha. Uma pessoa pode ser considerada traficante se estiver portando 20 gramas, se for comprovado que ela está vendendo essa droga de forma fracionada. A mesma coisa com o usuário, que pode ter comprado mais de 40 gramas para consumo próprio. A diferença é que, agora, as autoridades vão ter que fazer a prova da traficância (provar que o usuário realmente estava vendendo a droga). Então, eles vão ter que ter provas, como testemunhas ou uma balança apreendida, por exemplo”, explicou.

“Eu espero que, agora, a mentalidade mude. Também desejo que as autoridades sejam punidas por abuso de poder, caso descumpram a decisão do STF”, opina.

‘Droga é questão de saúde pública e não crime’, diz especialista

Yarochewisck esclarece que a criminalização de usuários era inconstitucional por ferir três princípios da legislação brasileira: privacidade, intimidade e lesividade.

“Os princípios contra a violação a intimidade e à vida privada estão previstos na constituição. Se a pessoa deseja beber, fumar, se drogar, é responsabilidade dela. O Estado não pode intervir nisso. A droga é uma questão de saúde pública e deve ser tratada assim, e não como crime”, afirma.

Sobre o princípio da lesividade, o advogado explica que ele só prevê como crime atos que ofendam um bem jurídico tutelado, como a vida e a propriedade alheia. “Se uma pessoa tenta suicídio, ela não é penalizada, por exemplo. Da mesma forma é a droga. O usuário não está ofendendo o bem jurídico de ninguém se usar”, acrescenta.


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Fernanda Rodrigues é repórter da Itatiaia. Graduada em Jornalismo e Relações Internacionais, cobre principalmente Brasil e Mundo.
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