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Acordo de Mariana: audiência na ALMG discute impactos do rompimento da barragem e processo de reparação

Discussão na ALMG ocorre após Vale anunciar contraproposta para repactuação de acordo envolvendo rompimento da barragem da Samarco

Representantes de povos atingidos nas margens do Rio Doce cobram reparação pelo rompimento da barragem do Fundão, em Mariana

Uma audiência pública na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) reuniu, nesta segunda-feira (6), deputados, advogados, agentes públicos e representantes de povos ribeirinhos para discutir os impactos do rompimento da barragem do Fundão, em Mariana, e tratar das negociações sobre o processo de reparação por parte das mineradoras Samarco, Vale e BHP.

O encontro foi organizado pela Comissão Interestadual Parlamentar de Estudos para o Desenvolvimento Sustentável da Bacia do Rio Doce (Cipe Rio Doce), que reúne deputados mineiros e do Espírito Santo, estado que também foi afetado pela lama da barragem do Fundão.

O procurador Carlos André Mariani Bittencourt, do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), falou sobre as dificuldades de negociação com as mineradoras e destacou a necessidade de os entes públicos estarem entrosados durante as conversas com as três mineradoras.

“Nós estamos convictos que o acordo é um caminho mais efetivo e rápido, embora, neste caso, não tenha sido nada rápido e eficiente em razão de uma multiplicidade de atores presentes nas negociações. Neste caso são três empresas, são dois estados, mais a União e os órgãos estaduais de cada estado. Ao todo são nove órgãos públicos envolvidos. Estamos batalhando há três anos. É um esforço imenso e não vamos desistir ou aceitar qualquer coisa. Vamos continuar em busca de algo aceitável e que se mostre melhor do que o processo judicial, que é lento e pode durar 10, 15 ou 20 anos. Nós continuamos insistindo na repactuação porque sabemos que a outra alternativa é o processo, que pode levar anos, infelizmente”, afirmou Carlos André.

Críticas ao acordo anterior

O procurador criticou o acordo fechado em março de 2016, um ano depois do rompimento da barragem, que resultou na criação da Fundação Renova. Segundo ele, a equipe ambiental do Ministério Público de Minas foi contra a criação da fundação Renova na época.

“Na época do acordo, o MP era contra a criação da Fundação Renova. Porque nós entendíamos que era uma forma de terceirizar a responsabilidade. Quem era responsável? A Samarco e suas duas controladoras: Vale e BHP. Criaram a Renova para executar as obras de reparação, as ações de compensação e assim foi feito naquela época. Passados oito anos vemos que o resultado é o rio inapto, as suas margens estão profundamente afetadas, há impacto nos alimentos e isso reflete na saúde. Então estamos trabalhando para rever esse modelo”, afirmou Carlos André.

Na semana passada, a Vale apresentou uma proposta de R$ 90 bilhões como reparação, valor que já desconta um montante de R$ 37 bilhões que a empresa já teria gasto com ações de reparação. O procurador mineiro, no entanto, diz que esse valor não pode ser contabilizado uma vez que não pode ser auditável.

O governo federal e o estado do Espírito Santo rejeitaram a proposta apresentada pela mineradora. Já o governo de Minas avaliou a proposta como um avanço, mas destacou que é preciso negociar melhor os prazos para os pagamentos e reajustar o valor.

“Esses valores não são sindicáveis, não tem como fazer uma perícia contábil e financeira para saber se ela gastou ou não esses valores. O foco da tratativa é o que precisa ser feito no futuro, o que é preciso fazer que ainda não foi feito e o que é preciso pagar por não ser possível reparar”, explicou Mariani.

Impactos na saúde da população

Durante a audiência da ALMG, a agricultora Joelma Fernandes Teixeira, representante dos atingidos de Governador Valadares, relatou como o rompimento da barragem e a destruição do Rio Doce impactou sua vida.

“O Vale do Rio Doce foi atingido. Nosso meio de viver foi danificado. Para onde foi nosso peixe? Para onde foi nossa agricultura? Nossas plantações e nossos peixes ficaram contaminados. Essa repactuação, da forma como está vindo, nós vamos cobrar muito. Eu sou nascida nas margens do Rio Doce, filha de um pescador e de uma lavadora de roupas. Eu, desde pequena, sempre comi peixe e o que plantamos no terreno. Sempre fui saudável. Eu comecei a emagrecer e quando fui fazer exames descobri que minha saúde estava péssima. Agora estou diabética e tomo remédio que custa R$ 190”, contou Joelma.

O que diz a Fundação Renova

A Fundação Renova esclarece que é uma entidade privada, sem fins lucrativos, baseada na transparência e no diálogo com a sociedade. Os processos da instituição são acompanhados e fiscalizados, permanentemente, por auditorias externas independentes e pelo Ministério Público. Além disso, os documentos relacionados à atuação da Fundação Renova e a prestação de contas de suas atividades são publicados em seu site.

A reparação começou logo após o rompimento da barragem de Fundão. Foram solucionados 534 casos de restituição do direito à moradia com a entrega do imóvel ou o pagamento de indenização, e outros 178 já têm solução definida, de um total de 729 casas, comércios, sítios, lotes e bens coletivos. Até 29 de março de 2024, no Novo Bento Rodrigues, 115 imóveis foram entregues aos novos moradores. Dos 248 imóveis previstos, 192 imóveis estão com obras finalizadas, incluindo escola, estações de tratamento de água e esgoto e posto de serviços. Em Paracatu, 50 imóveis foram entregues aos novos moradores. Dos 94 imóveis previstos, 75 estão com obras finalizadas, incluindo escolas de Ensino Fundamental e Infantil, posto de saúde e posto de serviços.

A bacia do rio Doce tem pontos de monitoramento e estações automáticas que permitem acompanhar, desde 2017, sua recuperação e gerar subsídios para as ações de reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão. Os dados do monitoramento hídrico da bacia do rio Doce podem ser acessados no Portal Monitoramento Rio Doce, construído em parceria com seis órgãos ambientais e agências de gestão de recursos hídricos, que formam um grupo técnico ligado ao Comitê Interfederativo (CIF). Ações integradas de restauração florestal, recuperação de nascentes e saneamento estão acontecendo ao longo da bacia e visam à melhoria da qualidade da água.

Até 31 de março de 2024 foram destinados R$ 35,80 bilhões às ações de reparação e compensação. Desse valor, R$ 14,18 bilhões foram para o pagamento de indenizações e R$ 2,78 bilhões em Auxílios Financeiros Emergenciais, totalizando R$ 16,96 bilhões em 442,7 mil acordos.

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Editor de Política. Formado em Comunicação Social pela PUC Minas e em História pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Já escreveu para os jornais Estado de Minas, O Tempo e Folha de S. Paulo.