Principal alvo da ira dos vândalos que participaram dos ataques no 8 de Janeiro, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, não hesitou em taxá-los de golpistas durante a leitura do voto pela condenação do primeiro réu da intentona antidemocrática. Aécio Lúcio Costa Pereira recebeu sentença de 17 anos de prisão. “O inquérito analisa as condutas desses golpistas, dessas pessoas que tramaram contra o Estado Democrático de Direito, tramaram contra um governo democraticamente eleito e tramaram contra este Supremo Tribunal Federal”, declarou o ministro na primeira das sessões para julgamento dos réus, no dia 13 de setembro.
Último prédio público saqueado pelos vândalos, o edifício que abriga o alto escalão da Justiça brasileira sofreu a investida mais destrutiva entre os ataques coordenados às sedes dos Três Poderes. As avarias ocasionadas pelo grupo geraram prejuízo de R$ 11,4 milhões; do valor, R$ 7,7 milhões representam o impacto material com peças destruídas, móveis danificados e obras artísticas; o restante, R$ 3,7 milhões, corresponde ao dano estrutural decorrente da quebra de vidraças, pichações na fachada e a troca do carpete, inundado depois que os vândalos alagaram o prédio furando um cano.
A violência dos arroubos antidemocráticos desse grupo aparece refletida em gestos simbólicos dos criminosos: a porta do armário onde era guardada a toga do ministro Alexandre de Moraes foi arrancada e apareceu em selfies dos vândalos antes de ser abandonada na Praça dos Três Poderes; os golpistas picharam a escultura da Têmis, deusa da Justiça, obra do artista plástico mineiro Alfredo Ceschiatti e roubaram a réplica da Constituição Federal antes exposta no Salão Branco do prédio — a Polícia Federal conseguiu recuperá-la quatro dias depois em Varginha, região sul de Minas Gerais.
O ataque emblemático ao STF refletiu a onda de hostilidades contra os ministros da Corte na história recente. E a resposta à agressividade foi dada nas sentenças designadas pelo tribunal aos criminosos: todos são enquadrados no crime de golpe de Estado. “Várias pessoas defendem que esse crime não ocorreu porque eles não conseguiram dar um golpe de Estado. Ora, não existe crime de golpe de Estado. Se tivesse ocorrido um golpe de Estado, nós não estaríamos aqui para julgar. Quem dá golpe de Estado não é julgado, é porque ganhou na violência o que democraticamente perdeu”, afirmou Alexandre de Moraes em sessão.
Ação policial controversa permitiu invasão ao Supremo Tribunal Federal, indica relatório da CPMI
A queda dos gradis que blindavam o acesso à Praça dos Três Poderes, às 14h43 do 8 de Janeiro, alertou o secretário de Segurança do Distrito Federal, Anderson Torres, para o risco dos vândalos invadirem e destruírem o Supremo Tribunal Federal. Em um grupo no WhatsApp que reunia o alto escalão da Polícia Militar do Distrito Federal e a delegada da Polícia Federal, Marília Ferreira de Alencar Torres, disparou às 14h56: ‘não deixem chegar ao Supremo’. Com a ordem, o pelotão de choque com 24 militares abandonou a proteção ao Congresso Nacional e seguiu para o STF. Sete minutos depois, contudo, 12 soldados retornaram ao Congresso e, às 15h16, os outros também liberaram a passagem para a praça. O detalhamento consta no relatório da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que se debruçou sobre os atos antidemocráticos do 8 de Janeiro e pediu o indiciamento de 61 pessoas.
O documento ressalta a inação e a omissão da PM do DF. “Os policiais judiciais, em pequeno número, não contaram com nenhuma ajuda da Polícia Militar do Distrito Federal que assistiu, inerte, à invasão do Supremo Tribunal Federal”, descreve o arquivo. Às 15h37, os vândalos acessaram o edifício. Àquela hora, o Congresso Nacional e o Palácio do Planalto eram depredados há pouco mais de 30 minutos. A desocupação dos edifícios começou apenas às 16h25 com o incremento do aparato policial.
No entanto, a retomada do controle democrático sobre os prédios dos Três Poderes ocorreu, de fato, horas mais tarde. Naquela noite, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) cercado por ministros do Supremo Tribunal Federal, por membros do alto escalão da Esplanada dos Ministérios, parlamentares e governadores, iniciou uma caminhada no Palácio do Planalto que se encerraria apenas do lado oposto, na Praça dos Três Poderes, bem em frente ao palácio do STF. O ato simbólico encerrou o dia do 8 de Janeiro.