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Justiça atende pedido da prefeitura e barra nova CPI da Lagoa da Pampulha

Câmara Municipal de BH aprovou abertura de uma nova CPI depois que a anterior foi encerrada sem aprovação de relatório

Câmara Municipal não poderá abrir nova CPI para investigar Lagoa da Pampulha

A Justiça de Belo Horizonte barrou a instalação de uma nova Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar os contratos da prefeitura com empresas responsáveis pelas ações de despoluição da Lagoa da Pampulha. A decisão, em caráter liminar, atende a um pedido do prefeito Fuad Noman (PSD) e foi publicada nesta quinta-feira (19), pelo juiz Thiago Grazziane Gandra, da 1ª Vara dos Feitos da Fazenda Pública Municipal da Comarca de Belo Horizonte.

Na decisão, o magistrado diz que a criação de uma nova CPI com o mesmo objeto que a anterior “parece funcionar como burla”.

“A instauração de uma nova CPI, com exatamente o mesmo objeto da anterior, qual seja, a investigação de ‘irregularidades na execução dos contratos de limpeza e recuperação da Lagoa da Pampulha’, proposta no exato dia do encerramento daquela que caducou, parece funcionar como burla ao requisito constitucional do prazo certo e determinado, promovendo, ao arrepio da norma, a continuidade praticamente ininterrupta dos trabalhos investigativos, para além do prazo máximo fixado pela legislação”, diz trecho da decisão.

Reportagem da Itatiaia mostrou que o Requerimento 944/23, que reuniu as assinaturas de 14 vereadores para abrir uma nova CPI tinha 90% do texto idêntico ao Requerimento 267/22, usado para instalar a CPI da Lagoa da Pampulha em novembro do ano passado.

“O segundo requerimento é praticamente uma cópia, ipsis litteris, do primeiro”, diz o juiz na decisão.

Câmara vai recorrer da decisão

Em nota divulgada na noite desta quarta-feira (19), a Presidência da Câmara Municipal de Belo Horizonte informou que vai recorrer da decisão assim que for notificada oficialmente pela Justiça. Segundo o Legislativo, é preciso assegurar o dever constitucional dos vereadores de fiscalizar o Poder Executivo.

"É dever do Poder Legislativo defender a sua função fiscalizatória e os trabalhos de qualquer Comissão Parlamentar de Inquérito para apuração de responsabilidade sobre o abandono, o esgoto, a imundice e a sujeira da Lagoa da Pampulha, vez que demonstrada a ausência de relatório com as razões de contrariedade, na forma exigida pelo Regimento Interno”, diz o texto.

“A cidade de Belo Horizonte merece uma conclusão das investigações sobre a Lagoa da Pampulha e estranha a Prefeitura estar tão empenhada em impedir essas apurações”, continua a Presidência da Cãmara.

CPI da Lagoa da Pampulha

A CPI da Lagoa da Pampulha, instalada após requerimento aprovado no fim do ano passado, investigou, por seis meses, os contratos entre a Prefeitura de Belo Horizonte e empresas contratadas para realizarem ações de despoluição do espelho d'água de um cartões postais da capital mineira. Ao longo do tempo, os vereadores colheram depoimentos de servidores e analisaram documentos sobre o assunto.

Às vésperas do encerramento do prazo de investigação, um relatório apresentado pelo vereador Bráulio Lara (Novo) foi rejeitado por 4 votos a 3. O parlamentar pedia, no documento, o indiciamento de uma série de pessoas - entre elas o secretário municipal de Governo, Josué Valadão, o que provocou uma nova crise entre Executivo e Legislativo.

No mesmo dia, a vereadora Flávia Borja foi designada para apresentar um relatório alternativo - que desconsiderava envolvimento de Valadão com quaisquer irregularidades. No entanto, na sessão marcada para a votação do documento, a parlamentar pediu a retirada do texto da pauta. Sem um relatório, a CPI terminou em “pizza”.

Para o juiz Gandra, há “receio” de que uma nova CPI da Lagoa da Pampulha seja usada somente para aprovar um relatório como o de Bráulio Lara, que foi rejeitado pela maioria dos integrantes do órgão colegiado.

“O receio de desvio da finalidade da Comissão é fundado nos indícios de que ela possa ser usada não para apurar fatos novos, mas com o objetivo de fazer aprovar relatório final de indiciamento anteriormente rejeitado, tendo o autor juntado aos autos cópia da decisão de rejeição do relatório final da CPI”, diz o juiz em outro trecho da decisão.

Gandra também disse ser urgente a interrupção do requerimento 944, que cria a nova CPI.

“Efetivamente, há urgência na interrupção do prosseguimento do Requerimento nº 944, considerando a iminente possibilidade de, aprovado, retomarem-se as investigações sobre fato já investigado, sem justificativa para tanto”, afirmou. Uma sessão de instalação do colegiado havia sido marcada para as 10h30 desta quinta-feira (20).

Nota na íntegra da Câmara Municipal

“Nota da Presidência

Em decorrência da decisão judicial proferida nos autos da ação ordinária Nº 5157308-02.2023.8.13.0024, a Câmara Municipal de Belo Horizonte esclarece e reitera que:

1 – É dever do Poder Legislativo defender a sua função fiscalizatória e os trabalhos de qualquer Comissão Parlamentar de Inquérito para apuração de responsabilidade sobre o abandono, o esgoto, a imundice e a sujeira da Lagoa da Pampulha, vez que demonstrada a ausência de relatório com as razões de contrariedade, na forma exigida pelo Regimento Interno;

2 – Nesse sentido, a Procuradoria do Poder Legislativo adotará, tão logo seja intimada, as medidas jurídicas apropriadas contra a decisão proferida, de modo a assegurar o dever constitucional de fiscalização desta Casa Legislativa;

3 - A instituição reitera seu compromisso com a legalidade e a transparência em todas as suas atividades. Como representantes eleitos pelos munícipes, é nosso dever zelar pela eficiência e pela integridade na gestão pública;

4 - A análise do processo em questão será conduzida de forma imparcial e criteriosa, respeitando todos os princípios constitucionais;

5 – Finalmente, qualquer atualização sobre o andamento do processo será prontamente divulgada à imprensa e à sociedade em geral, demonstrando nosso compromisso com a transparência.

Posto isso, a cidade de Belo Horizonte merece uma conclusão das investigações sobre a Lagoa da Pampulha e estranha a Prefeitura estar tão empenhada em impedir essas apurações.

Ainda assim, a simples ação da Câmara Municipal de Belo Horizonte mostrar que não aceitaria impassível as manobras do Poder Executivo já fez o Prefeito finalmente se mover depois de tanta lentidão, indo encontrar o governador para dizer que o prazo de limpeza foi reduzido de 5 anos para 3 anos sem, no entanto, explicar como isso se dará.”

Há um resultado positivo para a cidade. Na política, cobrar funciona. A Câmara Municipal de Belo Horizonte seguirá cumprindo o seu papel fiscalizando, legislando e representando.”

Lucas Ragazzi é jornalista investigativo com foco em política. É colunista da Rádio Itatiaia. Integrou o Núcleo de Jornalismo Investigativo da TV Globo e tem passagem pelo jornal O Tempo, onde cobriu o Congresso Nacional e comandou a coluna Minas na Esplanada, direto de Brasília. É autor do livro-reportagem “Brumadinho: a engenharia de um crime”.
Editor de política. Foi repórter no jornal O Tempo e no Portal R7 e atuou no Governo de Minas. Formado em Comunicação Social pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), tem MBA em Jornalismo de Dados pelo IDP.