“Qualquer coisa que pudesse ser vista como ‘tomar partido’, eu parei de seguir. Deixei de seguir AOC, Kamala, Biden, Obama, todo mundo”, relatou Madeline, uma das entrevistadas. Ela e outros estudantes pediram ao jornal americano anonimato parcial ou total por medo de represálias no processo. “Parece algo distópico”, resumiu.
A política de ‘triagem expandida’ exige que os solicitantes de visto deixem suas redes sociais públicas e permite que funcionários consulares busquem “qualquer indicação de hostilidade contra os cidadãos, cultura, governo, instituições ou princípios fundadores dos Estados Unidos”. Um comunicado interno também orienta os agentes a considerarem o histórico de ativismo político como possível indício de comportamento futuro.
Como resultado, muitos candidatos passaram a apagar publicações antigas, deixar de seguir personalidades com posicionamentos políticos e evitar qualquer manifestação que possa parecer sensível. Um estudante contou que descurtiu todas as postagens de Kamala Harris dos últimos meses. Outro relatou que excluiu um meme dizendo “quero socar uma parede”, temendo que fosse interpretado como incitação à violência.
“Solicitar um visto é voluntário, e cada pessoa é livre para decidir se quer ou não viajar para os Estados Unidos”, declarou o Departamento de Estado. Um funcionário do alto escalão afirmou que a política visa identificar “ameaças potenciais à segurança nacional”.
Apesar disso, alguns candidatos apontam uma contradição: os próprios ‘princípios fundadores’ que os atraíram aos EUA - como liberdade de expressão - agora parecem servir de critério para exclusão. “Certamente os princípios fundadores são, você sabe, poder se manifestar”, disse um interessado em direitos humanos que apagou conteúdos desde 2007.
A pressão também gerou um nicho de mercado. Empresas como a Redact.dev e a Phyllo oferecem ferramentas para revisar e apagar postagens antigas ou rastrear o que pode ser considerado conteúdo ‘problemático’. “Agora é a hora de revisar sua presença online e apagar opiniões antigas ou posições políticas extremas”, alertou um comunicado da Redact.
O Washington Post lembra que a onda de cautela coincide com o endurecimento da repressão a manifestações pró-Palestina nas universidades americanas, incluindo entre alunos estrangeiros já residentes no país. O próprio memorando do Departamento de Estado indica atenção redobrada a conteúdo considerado antissionista ou associado ao apoio ao terrorismo.
Madeline, por exemplo, que costumava compartilhar intensamente sobre a guerra em Gaza, decidiu parar. “A partir de agora, não falo mais sobre política”, afirmou.
Outro estudante, o brasileiro Caio Fernandes, relatou que teve o visto negado após ser questionado insistentemente por não ter redes sociais. “Acho que, no fim das contas, ela achou que eu estava escondendo algo”, disse ele.
Para o advogado de imigração Richard Herman, em entrevista ao Washington Post, a recomendação é manter a calma: “Respirem fundo. Não saiam deletando suas contas”. No entanto, ele reconhece a subjetividade do processo: “A embaixada tem ampla discricionariedade para aprovar ou negar. Eles não são obrigados a explicar todas as razões. Não há um processo de apelação”.
Em meio à insegurança, muitos estudantes evitam qualquer traço de opinião política na internet. Como resume um dos entrevistados: “Diante de diretrizes irracionais, a resposta também acaba sendo irracional”.