O comércio regional tem força em Belo Horizonte. Atualmente são 33 grandes centros comerciais nos mais diversos locais da capital. São quase 4 centros comerciais em cada uma das 9 regionais da cidade. São pontos da capital com comércio forte, variedade de lojas e serviços que permitem ao cidadão fazer compras e resolver compromissos do dia a dia perto de casa, sem precisar ir ao Centro de Belo Horizonte.
Esse movimento de descentralização das atividades, muito comum nas grandes cidades, começou a partir dos anos 1980 em BH, com a inauguração dos shoppings. Naquela época, Belo Horizonte tinha apenas 4 ou 5 centros comerciais fortes, no Centro, Barreiro, Venda Nova e algo mediano no Padre Eustáquio e no bairro Floresta. Nos anos 80 e 90, começaram a aparecer os shoppings. Inicialmente, o BH Shopping, no Belvedere. E depois outros, como o Minas Shopping, na Avenida Cristiano Machado, no Bairro União, na Região Nordeste, e o Del Rey, no Caiçara, na região Noroeste. O novo plano diretor do município, de 2019, prevê o incentivo à descentralização do comércio.
A cidade tem ainda centros comerciais fortes por segmentos de atividades: polo de móveis na Avenida Silviano Brandão, do vestuário e moda, no Barro Preto, óticas na Avenida Brasil, equipamentos médicos na área hospitalar, peças de carros na Avenida Pedro II, e, mais recentemente, diversas concessionárias nas avenidas Barão Homem de Melo e Raja Gabaglia. Para o economista Feliciano Abreu, do site Mercado Mineiro, a dinâmica desses centros por segmento é muito interessante porque, embora haja uma concorrência maior, há uma quantidade maior de pessoas também indo atrás daquele mesmo produto. “É mais ou menos o seguinte, você precisa de um determinado item, vai em uma determinada região vai ver preços de diversos lugares. É como se fosse um grande mercado, cheio de barracas, só que são, nesse caso, lojas físicas e você resolve sua vida toda lá”, explica. Fausto Isaac, vice-presidente da CDL BH, a Câmara de Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte, Fausto Isaac, diz que a descentralização do comércio é uma tendência nas grandes cidades. “Na verdade, não acontece só com Belo Horizonte. A gente percebe isso com clareza. Facilita a vida do comprador e do morador”, diz.
Para o economista Feliciano Abreu, há diferenças que marcam os preços entre comércios do Centro e dos bairros e isso é possível de ser conferido com a popularização da internet e a possibilidade de pesquisa de preços. “Em outros tempos a gente considerava o Centro como formador de preço. Era o lugar mais barato. Onde a gente, inclusive, fazia pesquisa e via grandes diferenças. Hoje, o consumidor tem acesso à informação, tem hoje na internet, milhares de preços dentro de casa, ele consegue saber se o vendedor da esquina, daquele armazém perto de casa tem um preço viável para o bolso dele”, explica Feliciano. A comodidade e a valorização do comércio local são outras características aliadas ao preço. “Você está comprando no bairro, você não precisa pegar trânsito, não precisa pagar estacionamento em shopping. Fora que está valorizando o seu próprio bairro, gerando riqueza para o bairro, gerando emprego próprio”, ressalta o economista. Feliciano lembra que, para o empresário que vai montar uma loja num bairro, há a tendência de dar preferência para trabalhadores da própria região quando o assunto é emprego. "É muito melhor ele contratar gente do próprio bairro, porque os próprios vizinhos vão lá comprar”, ressalta. A geração de empregos e a comodidade também são citadas por Fausto Isaac . “Esse movimento propicia geração de novos postos de trabalho. É muito bom sair para uma cidade que tem um trânsito tão pesado como nós temos e tantos desafios, você sair da sua casa, andar 3, 4 quarteirões e tem as suas necessidades atendidas”, diz.
A atendente Talita, de 27 anos, do Bairro Nazaré, é um exemplo de quem conseguiu emprego por meio do comércio local, bem perto de casa. Ela, empregada há três anos em uma loja, conta que o bairro gera vagas para quem vive na região. “Dá bastante oportunidade. Tem muito emprego. Já trabalhei em sacolão. Não precisa sair daqui não”, conta com entusiamo.
O que dizem representantes do comércio?
Para o presidente da ACMinas, Associação Comercial de Minas, José Anchieta, demanda de clientes é o que não falta para que novos estabelecimentos comerciais sejam abertos por toda a capital mineira. “É muito bom, é definitivo e eu gosto sempre de observar que cidade é gente, cidade é povo, onde tem gente, tem serviço, onde tem gente e tem serviço, tem comércio, tem serviço no seu sentido amplo e a cidade progrediu”. Anchieta lembra que hoje o comércio de rua, os centros comerciais nos bairros convivem com os grandes shoppings, o que exige um trabalho “bifásico”. “O serviço público cuida do trânsito, fecha quarteirões, faz o seu papel, e depois vem o serviço da iniciativa privada. Esses segmentos, o moveleiro na avenida Silviano Brandão, o de automóveis, na Pedro II, para ficar com dois exemplos, eles nascem porque ali a iniciativa privada se instala e aí o mercado da conta do resto”, reflete José Anchieta.
De acordo com Feliciano, um comércio forte nos bairros também é capaz de valorizar os imóveis. “Um bairro sem comércio, ele acaba sendo desvalorizado. Há necessidade de ter uma farmácia, uma padaria, um açougue... Se você vai para um bairro que não tem praticamente nenhum, seu imóvel não vai ser tão valorizado, então quanto mais comércio nos bairros é melhor para todos”, defende Feliciano. Ele lembra que antes se acreditava que por uma grande rede de lojas ter maior capacidade de comprar muito mais, então ela teria normalmente um preço melhor, mas há outra variante a ser considerada, que é o custo maior para manutenção, seja de energia elétrica ou infraestrutura, por exemplo. “As lojas menores compram, às vezes, um pouco mais caro, mas elas têm, por isso, uma margem menor e conseguem, pelo baixo custo de manter aquela loja, já que é o dono que está lá dentro, uma vendedora, a própria família, preços mais em conta”, diz Feliciano.
Fausto Isaac, da CDL, lembra que, embora haja 33 grandes centros comerciais reconhecidos e catalogados pela entidade na Capital, o número pode ser maior. “Em boa parte dos bairros, você tem um mínimo de concentração de comércio, mas os mais importantes realmente são 33. Houve um acréscimo ao longo das décadas que nós entendemos que foi positivo”, disse. Para ele, isso demonstra uma cidade desenvolvida. “No comércio, no serviço, você tem que se reinventar e, na verdade, é isso. A gente tem desafios o tempo todo, então, mostra essa pujança, mostra essa ressignificação de tudo. Para a atividade empresarial é importante uma cidade que tem vida”, defende Fausto.
Fausto, no entanto, critica o poder público, que, segundo ele, se esforçou nos últimos anos, mas ainda deixa a desejar e não oferece condições em muitos bairros. “Talvez a presença do poder público não é tão ativa quanto deveria, mas na medida da necessidade, o poder público tem respondido sim”, avalia.O presidente da ACMinas, José Anchieta, tem percepção semelhante. “Reconheçamos que tenha havido uma melhora, mas é necessário melhorar ainda e muito mais. É preciso que as autoridades e as instituições representativas e a população, trabalhem em conjunto. Muita coisa tem sido feita, mas ainda falta muito e muito mais por fazer”, defende.
Com a palavra, os consumidores
A reportagem da Itatiaia percorreu os comércios no Barreiro; no bairro Nazaré, na região Nordeste; no Barro Preto, polo de moda e vestuário, e na avenida Silviano Brandão, onde funcionam dezenas de lojas de móveis, e conversou com consumidores em todos eles.
Wanderleia mora no Barreiro há três anos e diz que tudo o que precisa, encontra no comércio da região. “Tudo quanto é segmento, tudo que precisar você encontra aqui. Por exemplo, eu já fui fazer exame de sangue na área hospitalar, mas eu já consegui fazer aqui. Tudo o que você precisar tem aqui. Se você precisar de um raio-x, de uma loja de móveis”, diz.
Ângela, comerciante em uma lanchonete, também vê vantagens como consumidora. “Eu falo, o Barreiro é uma cidade, eu quase não vou ao centro da cidade porque eu tenho tudo aqui”, afirma.
Na regional nordeste da Capital, no bairro Nazaré, mais precisamente na Rua Marco Aurélio, um comércio pujante, com lojas diversas, farmácias, supermercados serve bem ao consumidor local. José Machado, que mora há 42 anos na região, também relata que não precisa ir ao Centro, já que encontra tudo o que precisa bem perto de casa. “Aqui é tranquilo. Temos farmácia, açougue, bar... o preço é de acordo com a condição financeira dos moradores”, celebra. O caminhoneiro Roney vive há 46 anos na região e diz que não tem nada a reclamar. “Pra mim, o comércio por aqui me atende, o que complica que de vez em quando é a necessidade de ir ao banco, mas tirando isso, roupa, compra, faço tudo aqui”. Para ele, o comércio ainda faz aumentar a interação entre as pessoas. “Você está conversando com seu amigo aqui, todo mundo se conhece, todo mundo dá o alerta aí para o comerciante [quando vê algo estranho]”, conta.
No Barro Preto, polo de vestuário na regional centro-sul da Capital, a reportagem encontrou pessoas que dizem que os preços e até a qualidade dos produtos são melhores. Josimeire é uma delas. “Gosto de comprar aqui. Aqui tem os preços em conta. É mais acessível, a gente gosta de vir por causa das variedades. É bom para comprar para revender”, conta.
Na avenida Silviano Brandão, região leste de Belo Horizonte, há uma loja atrás da outra de produtos do mesmo segmento. O que agrada a psicóloga Rosária, que quando vai comprar móveis, opta pela avenida. “Aqui tem muita opção, tem móveis usados, tem uma linha de decoração interessante. A localização é muito privilegiada. Eu sou muito a favor de polos na cidade”, diz. Outro consumidor, Wesley Galetti, lembra que a Avenida Silviano Brandão é uma referência. “O cliente encontra de tudo um pouco”, ressalta.
Comerciante em uma loja de colchões na região há seis anos, André celebra esse tipo de comércio por segmento. “É melhor porque primeiro que tem espaço pra todo mundo. O volume de clientes que está aqui é muito mais satisfatório do que em uma loja separada uma da outra”, avalia.
Ouça as três reportagens da série transmitida na Rádio Itatiaia:
Reportagem 1 - Descentralização do Comércio em BH
Reportagem 2 - O que dizem os representantes dos lojistas?
Reportagem 3 - Com a palavra o consumidor
Ficha técnica:
Reportagem: Eustáquio Ramos
Produção: Jacqueline Moura
Edição: Aline Campolina