Do fim de julho para cá, quando pisam no plenário principal da Câmara Municipal, a rotina dos vereadores de Belo Horizonte tem seguido um enredo repetido quase que religiosamente. A sessão é aberta às 15h e alguns parlamentares se revezam ao microfone para discursos. A ausência do número mínimo de presentes, porém, impede a votação de projetos. O movimento tem explicação: trata-se de estratégia adotada por vereadores que, descontentes com a relação com o prefeito Fuad Noman (PSD), resolveram obstruir os trabalhos.
Os desgastes entre os parlamentares e Fuad se acentuaram a ponto de um grupo de integrantes da Câmara apresentarem quase 2 mil requerimentos para travar a análise de assuntos de diferentes vertentes, como a captação de recursos internacionais para conter enchentes em Venda Nova, o veto ao uso da linguagem neutra nas escolas e a liberação da Arena MRV, novo estádio do Atlético. No caso do campo do Galo, segundo apurou a Itatiaia, pode haver acordo para uma votação em separado,
A obstrução impede, também, a análise dos vetos de Fuad a um subsídio público aos permissionários do transporte suplementar e a concessão de tarifa zero nos ônibus aos domingos e feriados.
Nos bastidores, parte dos vereadores se queixa de não ter demandas atendidas pelo Executivo. Segundo esse grupo, a Prefeitura de BH tem predileção por parlamentares governistas, dificultando a concretização de demandas solicitadas por mandatários de oposição ou independentes. Há, ainda, quem reclame da falta de oportunidades de se reunir com Fuad.
A relação acidentada entre Fuad e os vereadores tem, ainda, outros contornos. Nos corredores da Câmara, ainda ressoam questões como a
Irlan Melo, do Patriota, é um dos vereadores que costuma ir ao microfone pedir a verificação de quórum a fim de antecipar o fim das reuniões de plenário. Segundo ele, a obstrução não tem o objetivo de “travar a cidade”.
“É da vontade do Parlamento, que votou quase que unanimemente, que tenhamos 10% do subsídio aos suplementares e tarifa zero aos domingos e feriados. Estamos abertos ao diálogo, (mas) a prefeitura não quer conversar sobre esse assunto. Então, enquanto isso, há uma obstrução e os projetos não andam com a celeridade que deveriam andar”, diz, à Itatiaia.
A lei que regulamenta o subsídio de até R$ 512,8 milhões às empresas de ônibus
O presidente da Câmara Municipal, Gabriel Azevedo (sem partido), afirma que Fuad Noman adotou o expediente de conversar apenas com parte dos parlamentares.
“Há a necessidade de o Executivo dialogar com toda a Câmara Municipal, e não apenas com a sua base. Existem vereadores de oposição e vereadores independentes. Eles foram eleitos da mesma forma que a base — e precisam ter, da prefeitura, um tratamento, no mínimo, de respeito”, pede.
Líder de Fuad tenta pôr fim a impasse
A base aliada a Fuad Noman, hoje, é formada, majoritariamente, por vereadores da “Família Aro”. A expressão é utilizada para nomear parlamentares ligados a Marcelo Aro (PP), ex-deputado federal e secretário de Estado de Casa Civil. O PDT também dá sustentação à administração municipal. O partido abriga Bruno Miranda, líder do governo na Casa.
Segundo Miranda, a ideia é buscar consenso entre as alas da Câmara para, “nos próximos dias”, conseguir retomar as votações. Ele refuta as acusações de falta de diálogo.
“O prefeito sempre ouviu os vereadores. Inclusive, quando sofria ataques pessoais, em tons jocosos e ofensivos. Mesmo assim, o prefeito não deixou de se assentar com nenhum vereador — sequer o opositor mais ferrenho que ele tem”, garante.
‘Nunca mais o prefeito me chamou’
Ciro Pereira, do PTB, diz que teve uma agenda com o prefeito pela última vez em dezembro, às vésperas da eleição que definiu Gabriel Azevedo como presidente da Câmara para este ano.
“Nunca mais o prefeito me chamou para se reunir na prefeitura ou me ligou. Fico vendo o prefeito pelo Instagram”, protesta.
Bruno Miranda, por sua vez, chama a obstrução de “instrumento legítimo”, mas defende o aliado Fuad.
“É claro que espaço político e ajudar a governar na prefeitura tem quem faz parte da construção do governo. É natural. Quem está na oposição, em governo nenhum ajuda a governar. Talvez isso tenha sido um ponto de polêmica por parte de alguns vereadores”.