Ouvindo...

Twitter tem dificuldade para conter abusos online

Funcionários e ex-funcionários da plataforma dizem que a empresa não é mais capaz de proteger usuários

Twitter reduziu a equipe pela metade e muitos departamentos foram prejudicados

Depois de desligar trabalhadores duas vezes desde outubro (e de muitos outros saírem por conta própria), o Twitter está com dificuldade para proteger os usuários de assédio, desinformação coordenada e exploração sexual infantil. A afirmação é de funcionários e ex-funcionários da plataforma, que conversaram com a BBC.

Leia mais:

Dados acadêmicos e testemunhos de usuários reforçam as alegações. O discurso de ódio estaria crescendo sob o comando de Elon Musk, bem como haveria aumento de assédio e de contas que seguem perfis misóginos e abusivos. Segundo os entrevistados, está difícil manter o funcionamento dos mecanismos de proteção em meio ao ambiente de trabalho caótico.

Um engenheiro que ainda trabalha na empresa conta que, atualmente, não há responsáveis pela segurança de conteúdo no serviço. Isso porque todos os integrantes da equipe que criava as medidas de segurança foram desligados e Lisa Jennings Young, a chefe do grupo, renunciou. Ele conta, ainda, que o empresário tentou vender até as plantas do escritório aos funcionários.

Lisa foi uma das pioneiras na introdução de recursos para proteger os usuários de discurso de ódio. Esse material era comum no Twitter muito antes da chegada de Musk, mas a equipe de conteúdo conseguiu controlar a situação. Uma pesquisa interna da companhia sugere que a mensagem que pergunta se o usuário realmente quer responder a um post de forma agressiva reduziu respostas ofensivas em 60%.

Outros recursos projetados pela equipe de Lisa foram o modo de segurança, que pode bloquear contas abusivas automaticamente, e os rótulos para tuítes enganosos. “No geral, 60% dos usuários excluíram ou editaram as respostas quando tiveram chance de repensar”, diz ela. “O mais interessante é que, depois do alerta, eles escreveram 11% menos respostas abusivas no futuro.”

Segundo o engenheiro ouvido pela BBC, o caos começou após as dispensas de profissionais. Integrantes de outras equipes têm tido de mudar seu foco. “Uma pessoa totalmente nova, sem experiência, faz o que antes era feito por mais de 20 pessoas”, diz. “Isso aumenta os riscos e as possibilidades de erros.”

Apesar de os mecanismos anteriores de segurança ainda existirem, quem os havia projetado e os mantinha funcionando deixou a empresa. Para ele, a confusão ocorre porque Musk não confia nos funcionários. O empresário levou engenheiros da Tesla para o Twitter para que eles avaliassem os códigos alguns dias antes de decidir quem seria desligado da companhia. “Seriam necessários ‘meses’ para entender códigos como esses”, aponta.

O profissional diz que Musk está sempre com guarda-costas. “Onde quer que ele vá no escritório, há pelo menos dois guarda-costas altos e fortes com ele — como em um filme. Mesmo quando ele vai ao banheiro.”

As principais prioridades de Musk desde a aquisição são tornar a empresa lucrativa e “defender a liberdade de expressão” — seus posts na plataforma são sempre muito claros sobre isso. Em dezembro de 2022, o empresário divulgou documentos internos e disse que acreditava que a empresa não aplicava as políticas de moderação de maneira justa durante a liderança anterior.

Empregados e ex-empregados, entretanto, avaliam que ele usou isso para dar menos atenção à proteção dos usuários. Mesmo o conteúdo contra o qual ele faz campanha, como abuso sexual infantil e redes de robôs que espalham informações falsas, não é combatido como antes, dizem esses profissionais.

O Twitter afirma que removeu 400 mil contas em apenas um mês para tornar a plataforma mais segura. Para ex-funcionários, entretanto, isso não representa nada se o conteúdo não é informado às autoridades. “Se não há a denúncia desse conteúdo à polícia, a maioria dos usuários que tiveram contas suspensas apenas cria um perfil novo.”

Todas as plataformas de mídia social têm buscado combater o discurso de ódio. Enquanto elas definem ações para lidar com esse comportamento, o Twitter parece não atuar mais nesse sentido.

A BBC procurou a empresa para comentar o assunto, mas não houve resposta. Toda a equipe de comunicação da plataforma foi desligada ou pediu para sair. Em suas políticas, que estão disponíveis online para consulta, o Twitter diz “defender e respeitar a voz do usuário” como um de seus “valores centrais”.