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Crédito para indústria ‘seca’ e participação no volume total cai pela metade

Estudo da Confederação Nacional da Indústria revela que volume real de crédito para o setor industrial é 60% do registrado em 2012; bancos migraram foco de empresas (PJ) para consumidores (PF), que agora detêm 63% das operações

Volume real de recursos disponíveis para a indústria de transformação encolheu 40%

O oxigênio financeiro para a indústria brasileira está mais escasso. Um estudo divulgado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) em outubro de 2025 revela uma “seca” de crédito para o setor na última década. Entre 2012 e 2024, a participação da indústria no volume total de crédito da economia caiu pela metade: de 27,2% para apenas 13,7%.

Na prática, o volume real de recursos disponíveis para a indústria de transformação encolheu 40%, sendo hoje apenas 60% do que era 12 anos atrás. Os dados, baseados no Sistema de Informações de Créditos (SCR) do Banco Central, mostram que essa queda não é uma percepção, mas um fato estrutural.

A grande migração: bancos agora preferem o consumidor

O estudo da CNI aponta uma das principais razões para a indústria perder fôlego: uma mudança profunda no destino do crédito no país. O sistema financeiro redirecionou seu foco das empresas (pessoa jurídica) para os consumidores (pessoa física) ao longo dos últimos 12 anos.

Nesse período, a fatia destinada às pessoas físicas saltou de 45% para 63% do total de operações de crédito no Brasil. Enquanto isso, a participação das empresas (PJ) despencou de 55% para apenas 37%.

Em termos reais (descontada a inflação), o volume de crédito para pessoa física quase dobrou (cresceu 97%, atingindo 197% do valor de 2012). No mesmo período, o volume destinado à pessoa jurídica ficou estagnado, representando 96% do que era em 2012.

Crédito para investimento é o que mais some

Para o pequeno e médio industrial, que precisa de fôlego para comprar maquinário ou expandir a planta, a notícia é ainda pior. A “seca” é mais intensa justamente nas linhas de crédito de prazos mais longos, essenciais para o investimento.

A análise da CNI detalha o encolhimento por prazo:

  • Crédito de longo prazo (vencimento superior a 5 anos): o volume disponível hoje é apenas 36% do observado em 2012.
  • Crédito de médio prazo (entre 3 e 5 anos): recuou para 45% do volume original.
  • Crédito de curto prazo (vencimento em até 3 anos): caiu para 67% do saldo real de 2012.

Isso significa que o perfil do crédito industrial está cada vez mais focado no curto prazo, usado para a gestão do dia a dia, e menos no investimento estratégico. A fatia do curto prazo sobre o total de crédito para a indústria avançou de 73% para 82% em 12 anos.

Setor industrial foi o único a perder crédito entre empresas

A análise por atividade econômica revela um dado alarmante: a queda do crédito para pessoa jurídica no Brasil foi puxada exclusivamente pelo setor industrial. Enquanto o volume total para PJ ficou quase estagnado (queda de 4% em termos reais), os principais segmentos industriais registraram tombos expressivos:

  • Indústria de transformação: -40%
  • Indústria extrativa: -38%
  • Construção: -29%

Na contramão, outros setores viram o crédito para pessoa jurídica expandir no mesmo período. O volume para a Agropecuária cresceu 38%, Serviços financeiros 49% e Administração pública 118%.

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Financiar o consumo sem financiar a produção

O relatório da CNI conclui que essa dinâmica cria um descompasso perigoso para a economia, que afeta diretamente o industrial. O sistema financeiro estimula fortemente o consumo das famílias (com alta no crédito PF), mas não oferece os meios (crédito PJ) para a indústria nacional atender a essa nova demanda.

O resultado, segundo a entidade, é a dificuldade da indústria em expandir a produção e realizar investimentos. Sem conseguir atender a demanda crescente, o mercado reage com aumento de preços e um crescimento das importações, que chegam para suprir o consumo que a indústria local não pôde financiar.

Para o pequeno e médio empresário, isso significa perder competitividade, lutando por um crédito de curto prazo mais escasso para gerir o caixa, enquanto vê o concorrente estrangeiro tomar o mercado que ele não pôde acessar por falta de financiamento para investir.

Amanda Alves é graduada, especialista e mestre em artes visuais pela UEMG e atua como consultora na área. Atualmente, cursa Jornalismo e escreve sobre Cultura e Indústria no portal da Itatiaia. Apaixonada por cultura pop, fotografia e cinema, Amanda é mãe do Joaquim.