Ouvindo...

E o Clássico?

Para Ítalo Calvino, um livro clássico é aquele que nunca deixa de dizer

E o Clássico? Calma! Não me refiro ao jogo entre Atlético e Cruzeiro, no fim de semana. Uma coisa é que futebol é questão de paixão e de gosto. Outra é que, muito rapidamente, a situação entre os clubes se inverte. A gente descobre rápido que não era amor, era cilada; parecia bênção, mas era maldição... Estou me referindo ao espaço na vida para a literatura, a música, a arte que eleva a alma.

Para Ítalo Calvino, um livro clássico é aquele que nunca deixa de dizer. De fato, em tempos de tanta correria, efemeridade e falatório, faz bem ir aos clássicos. Pensemos: não por erudição ou exibicionismo, mas para ter uma noção das coisas!

Aprofundando o que diz Calvino, podemos pensar que há uma diferença entre “falar” e “dizer”. É tanta informação, tudo tão efêmero, tão rapidamente démodé. O contato com algo que não tenha surgido anteontem pode trazer perspectivas interessantes sobre os dramas da vida.

Nos tempos de inteligência artificial, pode sobrar burrice natural. As novas gerações encantam com seu dinamismo, seu despojamento, sua rebeldia, mas talvez estejamos, nessa tara pelo “novo”, deixando de lado a deferência, perdendo vocabulário, tendo menos repertório, sufocando a criatividade.

É bom colecionar algo mais do que trends. Hamlet já alertava que não se deve emprestar algo a amigos para não perder ambos. Ou Dostoiévski, que dizia que, mais importante do que o amor, é a gentileza. Que bom saber, por Machado, que “a vida é cheia de obrigações que a gente cumpre por mais vontade que tenha de infringir”. Ou ainda com Cora Coralina, que nos ensina que "é preciso se esforçar para ser bom a cada dia, porque bondade é coisa que a gente aprende”.

Sabe-se lá, talvez parte dos nossos problemas seja a falta de repertório e de poesia. A palavra que apaixona e insinua tem sido escassa. Os clássicos são tão necessários nestes tempos em que a gente quase nunca se entende. Eles não falam, mas dizem o que sentimos sem sermos capazes de expressar. Os clássicos transgridem as leis do tempo, seja na literatura, na pintura ou na música, nos levando para aquele lugar onde a palavra ora surge, ora se ausenta.

Deus nos livre da perda dos clássicos! Seu contato nos ajuda a esclarecer quem somos. E antes que algum desavisado pense que basta devorar os clássicos, que esteja atento ao fato de que, para se enamorar dos clássicos, é preciso a arte da conquista. Qualquer violência sobre os clássicos seria um estupro! Além de tudo, são os clássicos que nos encontram. É questão de ter tempo, de se deixar alcançar.

É que a sabedoria dos clássicos resiste aos gulosos e aos soberbos. Clássicos só surtem efeito em almas sem pretensão. “Interroguemos, pois, as gerações passadas, investiguemos a memória dos antigos. Somos de ontem, nada sabemos, e nossos dias sobre a terra são sombra. E os antigos, ah, os antigos, vão nos ensinar a falar, e do seu próprio coração vão extrair palavras...” (Jó 8,8-10).


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Pró-reitor de comunicação do Santuário Basílica Nossa Senhora da Piedade. Ordenado sacerdote em 14 de agosto de 2021, exerceu ministério no Santuário Arquidiocesano São Judas Tadeu, em Belo Horizonte.
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