Ouvindo...

Precisamos falar sobre o assédio nas empresas

O principal entrave observado nas instituições é a dificuldade em reconhecer a relevância dos esforços preventivos

Pelo protocolo, a vítima deve ser imediatamente afastada e protegida do agressor

Na última semana, esta coluna abordou as formas de assédio e como identificar o que está acontecendo se você for a vítima. No entanto, o tema vai além das pessoas físicas e alcança também a responsabilidade das pessoas jurídicas.

O assédio caracteriza-se quando um superior hierárquico, supervisor ou colega de trabalho adota comportamentos que resultam na criação de um ambiente laboral intimidatório, hostil ou ameaçador. ssas condutas incluem atitudes desrespeitosas, ameaçadoras, calúnias, insultos, tratamentos humilhantes, ameaças de violência física, assédio online e assédio sexual.

De acordo com a Resolução nº 351 do Conselho Nacional de Justiça, caracteriza-se como assédio moral a “violação da dignidade ou integridade psíquica ou física de outra pessoa por meio de conduta abusiva, com degradação das relações socioprofissionais e do ambiente de trabalho”, independentemente da intenção do autor em causar dano. A mesma norma define o assédio moral organizacional como um processo contínuo de condutas abusivas e hostis respaldadas por estratégias gerenciais que buscam engajamento intensivo ou a exclusão de colaboradores, desrespeitando seus direitos fundamentais, haver a responsabilização de organizações que tem essa cultura de exigência e performance de forma abusiva.

Mas qual o papel das empresas? Inicialmente, segundo a advogada Camila Rufato Duarte, fundadora do @direito.dela e consultora de prevenção e enfrentamento ao assédio, o principal entrave observado nas instituições é a dificuldade em reconhecer a relevância dos esforços preventivos. No Brasil, essa resistência é uma tendência na cultura corporativa que, em desacordo com as melhores práticas internacionais, adota predominantemente uma postura reativa. E quando medidas preventivas são implementadas, frequentemente se limitam a ações superficiais ou meramente simbólicas, sem impacto efetivo.

Camila ainda destaca que “a virada de chave ocorre no momento em que se compreende que a adoção de práticas efetivas de prevenção e combate ao assédio não apenas reflete um compromisso humano e ético, alinhado aos princípios do ESG, mas também influenciam diretamente no capital reputacional da empresa, impactam a capacidade de atrair e reter talentos, previnem litígios judiciais e influenciam positivamente as decisões de mercado, uma vez que constituem critérios relevantes nos processos de due diligence”.

Leia também

A responsabilidade legal das empresas também é clara. O artigo 223-B da CLT estabelece que o empregador deve reparar danos extrapatrimoniais resultantes de atos que ofendam a esfera moral ou existencial, incluindo a autoestima da vítima, assim como eventuais prejuízos materiais. Esse dispositivo reforça que é sim dever das organizações implementar processos de identificação, prevenção e eliminação do assédio no ambiente de trabalho.

Outro ponto importante é que legislação brasileira, acompanhando essa realidade, aprovou a Lei 14.457/22, vigente desde março de 2023; a norma estabelece, entre outras obrigações, que empresas com CIPA, ou seja, com mais de 20 funcionários, devem implementar medidas de prevenção e combate ao assédio, como a criação de um código de condutas atento ao tema, a disponibilização de um canal de denúncias especializado e a realização, no mínimo a cada 12 meses, de ações de capacitação, orientação e sensibilização em todos os níveis hierárquicos.

Para que a nova lei seja realmente eficaz, é essencial que a governança das instituições esteja adequada às práticas antiassédio e que os treinamentos sejam estratégicos, educacionais, com linguagem acessível e que envolva todos - do operacional à alta gestão. Na prática, observa-se que modelos top-down frequentemente se limitam ao mero direcionamento de ações, sem incluir uma participação ativa nos processos ou a demonstração de um exemplo concreto por parte da liderança. Essa falta de engajamento contribui para o distanciamento entre as diretrizes formalmente comunicadas e as práticas implementadas, comprometendo de maneira significativa a eficácia do programa.

Se formos olhar o copo meio cheio, pelo lado das organizações que efetivamente adotam práticas e procedimentos contra o assédio e que vão além, ao combater, de alguma forma, a violência contra mulheres, existem vantagens que vão desde o aumento do capital reputacional e o alinhamento às melhores práticas internacionais recomendadas, até a obtenção de benefícios fiscais. Exemplo deles é garantido pela Lei n. 24.933/2024, do Estado de Minas Gerais, que garante a redução da carga de tributária, a título de ICMS, para empresas que empreguem mulheres vítimas de violência doméstica.

Em resumo, é mais humano, econômico e estratégico prevenir do que remediar. Em uma sociedade cada vez mais informada e criteriosa, quanto maior for a tolerância das organizações às práticas de assédio, maiores serão os problemas internos e externos enfrentados, bem como os prejuízos resultante dessa conduta. Melhor ainda é ser uma empresa atenta aos problemas sociais, que, olha para o seu corpo de funcionários e para as mulheres da comunidade onde está inserida.

A coluna de hoje foi escrita em colaboração com Camila Rufato Duarte, advogada, fundadora do @direito.dela e consultora de prevenção e enfrentamento ao assédio


Participe dos canais da Itatiaia:

Clarissa Nepomuceno é advogada e sócia do escritório Nepomuceno Soares Advogados. Palestrante e professora universitária, defende que a independência financeira e a construção da carreira são fundamentais na ruptura dos ciclos de violência e para o alcance do ODS 5 – Equidade de Gênero.

A opinião deste artigo é do articulista e não reflete, necessariamente, a posição da Itatiaia.